São Paulo (AUN - USP) - Experiências negativas vividas nos primeiros anos de vida podem levar ao desenvolvimento de traços violentos na personalidade de crianças. A conclusão é o ponto central da dissertação de mestrado Sobre as circunstâncias em que transcorreu a infância de jovens que moraram nas ruas do município de São Paulo e os possíveis efeitos sobre suas personalidades, do psicólogo especializado em psicanálise Rubens de Aguiar Maciel, defendida em 28 de março pela Faculdade de Saúde Pública da USP. O objetivo do trabalho é incitar “uma visão mais abrangente da saúde e da doença no homem”.
Durante um ano e meio, ele ouviu adolescentes entre 15 e 19 anos, que tinham em comum um histórico de infrações e uso de narcóticos, alguns deles com passagens por instituições disciplinares como a Febem. O pesquisador, que buscou os jovens em abrigos, iniciou o estudo com doze deles, mas, devido à inconstância e à mobilidade dos garotos, apenas pôde completar as entrevistas com cinco.
O psicólogo procurou, através de depoimentos pessoais de cada jovem, compreender as circunstâncias em que se formam as personalidades de menores que apresentam desvios comportamentais como os citados. O estudo revelou que todos os entrevistados haviam passado por algum tipo de experiência negativa na chamada fase do “Cordão Umbilical Afetivo”. Nesse momento, entre o nascimento e o primeiro ano de vida, explica Rubens, a criança ainda é extremamente dependente dos pais, especialmente do ponto vista psicológico. Experiências potencialmente negativas (divórcio, abusos e violências) vivenciadas nessa fase mostraram ter um severo impacto sobre a formação da personalidade. “Experiências negativas repetidas criam na criança a noção de que o mundo é um lugar hostil, o que pode gerar uma resposta violenta”, afirma.
Ele avalia ainda as práticas relacionadas a esse tipo de distúrbio nas políticas de saúde. “A divulgação de questões de prevenção em saúde mental sempre foi um interesse meu. A população é muito mal informada naquilo que diz respeito à constituição da personalidade e à importância do vínculo familiar”. Segundo o autor, é comum que crianças com problemas psicológicos não recebam a atenção necessária, e até mesmo sejam levadas a especialistas de outras áreas, o que dificulta o diagnóstico correto. O problema é agravado pela condição social do Brasil: em um país em que se convive com miséria, pobreza e violência, eventuais desvios de personalidade tendem naturalmente a um resultado negativo.
A proposta do trabalho é abrir os olhos da sociedade para a necessidade de assistência psicológica às gestantes, aos pais e aos filhos. Ele considera as políticas de saúde pública negligentes em relação ao desenvolvimento mental das crianças, uma vez que são adotadas medidas disciplinares (instituições como a Febem) ou assistencialistas (abrigos para moradores de rua) que dificilmente levam a uma recuperação efetiva. A conclusão da dissertação propõe que já durante o pré-natal seja oferecida assistência psicológica a grupos de pais, a fim de esclarecer que a criança é mais do que “um ser que sente fome”, que precisa de atenção. Essa assistência deve prosseguir depois do parto, durante a fase do “Cordão Umbilical Afetivo”.