ISSN 2359-5191

19/11/2013 - Ano: 46 - Edição Nº: 101 - Sociedade - Escola de Enfermagem
Violência doméstica contra mulher é problema social

Pesquisa da Escola de Enfermagem (EE) da USP chama atenção para a importância da valorização individual da mulher que sofre com violência doméstica e familiar, bem como a necessidade de auxílio integral voltada à ela, com medidas de apoio que proporcionem à vitima assistência social e jurídica para sua recomposição após a violência sofrida. De acordo com a pesquisadora Evelyn Satinon, para que haja um combate efetivo à violência contra mulher, além das medidas punitivas, é preciso mobilização de modo que exista união de profissões e de seus profissionais: “o conceito de saúde deve ser entendido de forma a abarcar os aspectos sociais, culturais e singulares de cada indivíduo”, diz.

A tese “Você não enxerga nada”: a experiência de mulheres vítimas de violência doméstica e a Lei Maria da Penha foi realizada com oito mulheres que buscaram auxílio no Centro de Cidadania da Mulher — em Itaquera (CCMI), órgão vinculado à Prefeitura de São Paulo que oferece atendimento à mulheres vítimas de violência nos bairros da Zona Leste.

De acordo com Evelyn, a maior dificuldade no desenvolvimento da pesquisa foi a aproximação com as mulheres: “Não foi fácil. Muitas mulheres, pelo medo, acabaram desistindo de contar sua experiência, mesmo sabendo que manteríamos todos os critérios éticos para este tipo de pesquisa, inclusive em relação ao nome”. A enfermeira conta que para o estudo, cada mulher escolheu o nome de uma flor para ser utilizado em sua classificação pessoal, conforme sua vivência. 

Outro ponto que atuou como fator de desistência foi a dor causada pela discussão da violência sofrida, assunto inacabado na mente de cada uma das vítimas: “O medo e a dor eram constantes em todos os encontros. Foi necessário manter meu papel de pesquisadora, neutralizando interferências da minha parte, mas, ao mesmo tempo, conhecer meu papel como ser humano e como mulher”, conta. “Com a minha pesquisa, compreendi e passei a admirar ainda mais as mulheres corajosas que se insurgem contra a violência.”

Emancipação feminina

Com base nas análises das entrevistas, foram criados três grandes temas: “Vivenciando a violência”, “Buscando ajuda” e “Renascendo para a vida”.

O primeiro aborda a vivência das mulheres e o convívio com as diferentes faces da violência. A pesquisa constatou que todos os tipos de agressões sofridas encaixavam-se em uma grande categoria: a violência doméstica, em que o vínculo com o agressor era o de marido ou companheiro dessas mulheres. O excesso de álcool e de drogas foi apontado como potencializador das agressões e usado muitas vezes como justificativa pela conduta. As relações analisadas perduraram por um longo tempo, o que demonstra a dificuldade da tomada de decisão para denunciar a agressão, a permanência no ciclo da violência e o poder da violência simbólica, caracterizada por Boudieu, sociólogo francês utilizado como base do referencial teórico da pesquisa, pela invisibilidade, por não enxergar, pela submissão encantada, que é doce e quase sempre invisível.

Segundo a pesquisa, a violência se mostrou das mais diferentes formas, como abuso patrimonial, sexual, físico, moral e psicológico. “A violência mais frequente foi a psicológica. É interessante ressaltar que a violência física só ocorria depois de já instaurada a violência psicológica, em um constante ciclo”, diz Evelyn.

O segundo grande tema, “Buscando ajuda”, tratou do caminho percorrido pelas mulheres até o atendimento, bem como as análises dos meios jurídicos e jurisdicionais a que foram submetidas. De acordo com Evelyn, o primeiro atendimento direcionado à mulher vítima de violência desempenha um papel crucial para condução adequada do caso, mas os relatos apresentados evidenciam que não há uniformização do local onde a vítima pode ser atendida ou a existência de uma atenção integral à ela. A Lei Maria da Penha apresentou-se durante as entrevistas como a principal legislação de apoio para as mulheres, embora ainda exista dúvidas sobre sua aplicação e o seu desconhecimento por parte de policiais e funcionários da área de Saúde.

A decisão da mulher em deixar para trás a história de violência e a recuperação da sua identidade ao retomar seus sonhos e o caminho para uma nova vida foram abordadas no terceiro grande tema. De acordo com a pesquisa, o principal motivo para abandonar a violência foram os filhos. “Apesar da violência ser endêmica, circular e poderosa, em algum momento esta mulher conseguiu se libertar”, diz Evelyn. Outro importante pilar para a emancipação da mulher foi o apoio, originário de variadas fontes como Deus, família até meios jurídicos.

A pesquisa atenta para a importância de incentivar mais conhecimento sobre o tema e sobre os métodos disponíveis para o seu combate, além de identificar novos focos do problema. Há a necessidade de colocar a legislação em prática ao criar espaços adequados para que as vítimas sejam ouvidas, bem como treinar profissionais para este fim. “Devemos trabalhar pela mudança de paradigmas nessa luta. A violência doméstica contra a mulher é um problema de toda a sociedade.”

Mais informações: professoraevelyn@yahoo.com.br
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