A observação da composição química das estrelas pode apontar como era o universo em sua origem. É com essa premissa que trabalham os grupos que pesquisam estrelas pobres em metais no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. Como esses astros surgem a partir de um meio interestelar, a composição química está diretamente relacionada com o ambiente que precedeu seu aparecimento.
Os astrônomos consideram metais todos os elementos que não são nitrogênio ou hélio. Porém, no estudo de estrelas pobres em metais é levada em conta principalmente a incidência de ferro na composição do astro. Esse elemento é detectável quando é feito o espectro da estrela, ou seja, quando a luz vinda do corpo celeste é decomposta em um instrumento que funciona de forma análoga a um prisma. Por meio desse processo é possível observar a formação química da estrela.
Para classificar uma estrela como “pobre em metais”, os astrônomos comparam a quantidade de ferro do astro com a quantidade presente no Sol. Se ela possuir menos ferro que o Sol, é considerada “pobre”. A estrela principal de nosso sistema possui ferro em sua atmosfera, mas o conhecimento adquirido pela física e astrofísica mostrou que esse elemento não foi formado no próprio Sol. Ele veio até a estrela de alguma forma, já pronto. A explicação encontrada é que o ferro veio de outro astro, que em sua evolução depositou o elemento no meio interestelar a partir do qual o Sol foi criado.
As primeiras estrelas que explodiram formaram poucos elementos pesados, eram basicamente hidrogênio e hélio. Se a estrela observada apresenta pouco metal na atmosfera, significa que ela foi formada a partir de um gás que também continha poucos metais, em um meio que foi pouco enriquecido, um indício de que foram formadas a partir das primeiras estrelas. Juntando as duas evidências, “supomos que isso tenha acontecido no princípio da formação da galáxia e do universo”, afirma Vinícius Placco, pesquisador do IAG.
A busca pelas estrelas
O processo de identificação de uma estrela como “pobre em metais” é longo. Primeiro, os pesquisadores trabalham com catálogos de estrelas gerados por grandes telescópios do mundo todo, como o ESO, no Chile. Nesses catálogos constam fotografias do céu e o espectro das estrelas. Os astrônomos estudam os dados disponíveis nos catálogos até encontrar alguma estrela que possua características interessantes, que aponte para uma quantidade baixa de metais em sua composição química. Após essa etapa, iniciam a observação das estrelas selecionadas. Se o astro continuar apresentando indícios de que é pobre em metais, chega-se a terceira fase do processo, que é a solicitação de tempo de observação em telescópios grandes, que apresentam uma resolução muito maior do que os modelos menores.
O tempo de observação nesses telescópios gigantes é muito caro e concorrido. Para poder utilizá-lo, o pesquisador precisa requisitar um período de tempo e convencer o comitê do telescópio de que a pesquisa realmente vale a pena e tem grandes chances de encontrar algo importante. “Você tem que ter certeza que a sua estrela é interessante o suficiente”, conta Placco. Com a ajuda dos telescópios gigantes é possível determinar a composição química de elementos menos abundantes no astro, que não são observados com equipamentos menos potentes. “Conseguimos determinar quase toda a composição química da estrela”, afirma o pesquisador do IAG.
Aplicações
Com a identificação de várias estrelas pobres em metais, os astrônomos conseguem descobrir como era o meio interestelar no período de formação do universo, além dos indícios de como ocorreu a evolução das estrelas. Isso também possibilita que se estabeleçam vínculos com modelos teóricos da formação do universo. A observação de estrelas pobres em metais ajuda a guiar os modelos teóricos e dar credibilidade para uma teoria sobre a formação do cosmo e o funcionamento dele.
“Quanto menos metais, mais primordial estava o universo quando a estrela foi criada”, explica Placco. São sinais que os astros emitem e que a ciência consegue detectar após muito trabalho. “A gente tenta entender o que a natureza nos diz a partir da observação das estrelas”, conclui o pesquisador.