As agências humanitárias atualmente apresentam condição consideravelmente boa de estrutura e recursos, mas enfrentam dilemas conceituais e de articulação. Para o pesquisador Bruno Toledo Hisamoto, a necessidade atual é de que elas reflitam sua atuação, principalmente com as consequências da politização pela qual passaram e dos questionamentos sobre o papel e a eficácia do humanitarismo após as experiências vividas em campo.
O humanitarismo, tema ainda não muito pesquisado no Brasil, foi estudado por Hisamoto na pesquisa A prática humanitária em situações de conflito no pós-Guerra Fria: o dilema da politização e os desafios da neutralidade.O objetivo principal da pesquisa era avaliar como as agências humanitárias – independentes, não governamentais – reagiram ao processo de instrumentalização e de politização do conceito humanitário por governos e forças militares, principalmente a partir dos anos 90.
O pesquisador define esse processo de politização como as agências humanitárias se voltando à política pela necessidade de sobreviver e os governos se voltando ao trabalho humanitário, principalmente, por uma forma de legitimação política, mas também por ser uma forma de se mostrar que se atuando sem precisar intervenção política. “É muito mais palatável para a sociedade falar que está mandando soldados para uma intervenção humanitária do que para uma intervenção militar pacificadora. A palavra humanitária tem um peso muito forte.”
A politização se deu por diversos fatores: o desenvolvimento histórico do humanitarismo, as mudanças políticas dos anos 90, a relação entre as organizações e a mídia, a proliferação de organizações humanitárias – que gera competição por recursos. Posteriormente, na guerra contra o terror, ocorreu também a militarização da ajuda humanitária, ou seja, a associação entre humanitários e militares pela própria dificuldade em campo, de acessar os locais e por questão de segurança.
Surgiram diversos problemas da convergência entre doadores, principalmente governos, e humanitários – e alguns deles têm consequências até hoje. O primeiro é que acabam se associando humanitários e interventores, o que gerou problemas de legitimidade e distanciamento dos humanitários com relação às populações atendidas. Exemplos disso foram os atentados à base da ONU em Bagdá e à base da Cruz Vermelha. “Esse distanciamento acaba afetando compreensão de campo, da realidade”.
Além disso, houve durante esse tempo mistura entre agendas políticas e humanitárias, quando se esperava encontrar formas de efetivar mudanças para as populações que necessitavam de ajuda. No entanto, após questionamentos morais e experiências em campo, as duas agendas se desvincularam, e a ajuda humanitária voltou ao papel emergencial.
Como herança de todo esse histórico, a ajuda humanitária atualmente passa por dilemas conceituais, existenciais e de atuação. “Depois da guerra ao terror, ela deixou de ser um instrumento político, voltou a um estado de letargia.”
Para o pesquisador, o fundamental a se ter em vista é que essas organizações precisam apresentar motivações neutras, mas sua atuação não o é. “As vítimas são alvo do conflito, então, se você salva essas pessoas, você transforma.” Outra questão fundamental para ele é a da articulação entre as organizações, importante no universo fragmentado da ajuda humanitária. Elas precisam se organizar tanto para repensar seus ideais como para tornar mais eficazes suas atuações. O grande dilema é como crescer mantendo a essência humanitária.
A pesquisa de Hisamoto contou com levantamento histórico do desenvolvimento humanitário, por meio da pesquisa de documentos das próprias agências e artigos da mídia, e análises de casos de conflito em diferentes países.