ISSN 2359-5191

26/11/2013 - Ano: 46 - Edição Nº: 105 - Saúde - Faculdade de Medicina
Violência nas escolas afeta saúde vocal de professor

Ao vivenciar situações que propiciam contato com diversas formas de violência e assumir cada vez mais responsabilidades que aumentam a sobrecarga e intensificam o seu trabalho, professor pode ter seu desempenho vocal prejudicado e desenvolver distúrbio de voz. É o que conclui a pesquisa Distúrbio de voz e violência na escola: relato de professoras da Faculdade de Medicina da USP.

Fonoaudióloga no Hospital do Servidor Público Municipal, Delmira Karmann atende professores que procuram ajuda espontaneamente quando sentem alterações de voz. Encaminhados para avaliação otorrinolaringológica e fonoaudiológica, são posteriormente orientados a participarem de um tratamento em grupo semestral, composto por 15 seções, em que são trabalhados aspectos básicos da voz. A sequência do tratamento é realizada em grupos abertos, com duração de um ano, e a frequência das consultas é determinada de acordo com as necessidades pessoais de cada um.

O contato com os professores e o trabalho realizado com eles fez com que a pesquisadora se interessasse mais pelo assunto. Delmira conta que em um dos grupos que atuava como orientadora começou a surgir com frequência relações de problemas vocais atrelados à violência. Incomodada com esse fato, iniciou o estudo.

Para análise, foi realizada uma triagem com os professores que procuravam o Hospital do Servidor. Os participantes da pesquisa atuavam no ensino fundamental do município de São Paulo, deveriam, até seis meses antes da realização da pesquisa, trabalhar em sala de aula e não poderiam já ter feito terapia no hospital. As seções utilizadas para o estudo, ao todo 5, se iniciaram antes das 15 seções do trabalho fonoaudiológico em grupo e, com duração de uma hora e meia cada, foram gravadas. O grupo, de oito profissionais, era formado unicamente por mulheres.

Na primeira seção, o tema proposto para discussão “O que é ser professor?” teve como finalidade conhecer qual o sentido do trabalho na vida das professoras. “A violência entre os alunos afeta seu trabalho?” foi o questionamento levantado no segundo encontro, que objetivou conhecer o que as professoras descrevem como violência e como reagem à essas situações. Nessa seção, um comentário sobre a vergonha de relatar a violência sofrida foi levantado: “O professor muitas vezes não relata a violência porque tem vergonha. É como se ele não tivesse domínio sobre a classe ou sobre o aluno, e diante dessa impotência, ele não comenta. Fica algo velado, e, por outro lado, a escola não quer que seja divulgada”, diz Delmira.

O tema da terceira seção “Como refletem, no professor as atitudes agressivas dos alunos em relação a ele?” buscou responder como elas reagem às situações de violência, quais são os sentimentos por elas provocados e como interferem no desempenho do trabalho.

A questão “Se há violência entre os educadores, como ela é vivida?”, foi utilizada para debate no quarto encontro, mas, de acordo com Delmira, a proposta foi desconsiderada, pois não apresentou ressonância no grupo.

A quinta e última seção apresentou a pergunta “Vocês percebem se há influência da violência em sua saúde e em sua voz?” e teve como objetivo conhecer os significados atribuídos à violência e sua relação com a saúde do professor.

De acordo com as análises, há sobrecarga e uma intensificação muito grande do trabalho do professor, que, de acordo com Delmira, fazem ser questionável a possibilidade de uma educação de qualidade, bem como a manutenção da saúde física e mental do profissional. “Os professores falam de seu trabalho e parecem que não tem limite, apresentando uma quantidade imensa de atribuições. Isso gera uma responsabilidade muito grande e eles não tem tempo de se cuidar”, diz.

A pesquisadora afirma que o acúmulo de obrigações faz com que os professores sejam afetados com sentimentos de culpa e incompetência, pois, além da alfabetização, são encarregados de trabalhar a atitude dos alunos, o comportamento e, muitas vezes, lidar com inclusão de crianças especiais, tarefa para qual muitos não foram devidamente preparados. “Em pouco espaço de tempo há muitas tarefas. A voz é afetada com isso, pois existe uma para explicação, uma para chamar, outra para colocar ordem e não há espaço para o descanso vocal”, conta.

O espaço físico das escolas, em via de regra pequeno, também é apontado pelo estudo como potencializador de situações de violência. O número grande de alunos por sala de aula é criticado pelos professores: “Há muitos alunos nas salas. Eles saem para o lanche e em 15 minutos tem realizar suas tarefas e conversas sociais. Quando voltam, as professoras gastam minutos para negociar conflitos, o que foi dado como um papel para elas, e todo dia precisam repetir a mesma coisa.”

A situação trabalho envolta por constante tensão agride a saúde. Delmira afirma que a voz e a emoção estão correlacionadas e é preciso ter um controle muito grande para manter a sua qualidade. Além da violência visível, a pesquisadora chama atenção para existência da violência silenciosa, que abrange tudo que agride o trabalho do professor enquanto educador, desviando-o de sua função. Ela pode ser vista desde a forma como a direção, pais e alunos tratam os professores, até na valorização que governo e município destinam a eles. 

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