A agricultura urbana pode colaborar com a reorganização das cidades, tornando-os mais organizados e pode transformar a vida de seus moradores, deslocando-os da posição de meros consumidores para o papel de produtores. Essas foram as conclusões do debate promovido pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, que aconteceu no dia 7 de novembro. Participaram da mesa redonda Heloisa S. de M. Costa, da UFMG, André R. Biazoti, do Instituto 5 Elementos e Valéria de Marcos, da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLHC) da USP.
André defendeu a criação de hortas fora da área rural. "As pessoas se envolvem com as hortas, se conectam com elas e descobrem novos alimentos", disse. Assim, as hortas urbanas garantem a segurança alimentar e nutricional. Como as pessoas consomem sempre os mesmos alimentos, a oferta de outras variedades de frutas e hortaliças está diminuindo. Ele também acredita que as hortas podem funcionar como uma maneira de incentivar a interação entre os moradores das cidades, que estão de fechando cada vez mais em suas próprias casas, e como um espaço de ocupação da cidade.
Heloisa Costa concorda. "Não acredito que a urbanização deve ser contida a qualquer custo, mas quando existe muita pressão imobiliária, que vem sendo o cenário atual, a produção agrícola nas cidades pode ser um instrumento de contenção da urbanização", disse a professora. A professora explicou, em sua apresentação, que existe uma luta permanente por espaço na cidade e que o acesso à terra é a questão central. "O acesso à terra não é gratuito", disse. E o problema é que os agentes sociais dessa luta: moradores, proprietários e agricultores têm posições bastante diferentes no tabuleiro.
A legislação urbanística tenta retornar o investimento público. Assim, a ideia de que a terra ociosa não cumpre seu papel social é muito forte. A saída mais aceita é a construção de prédios, estabelecimentos comerciais, mas, segundo Heloisa, a agricultura também é uma maneira de fazer valer a função social da terra.
A professora apontou como solução para essa questão a possibilidade de articular a prática da agricultura urbana com políticas públicas. Ela citou o exemplo da cidade e da região metropolitana de Belo Horizonte, onde desenvolve sua pesquisa. Lá a agricultura urbana, que sempre foi praticada nos quintais das famílias e em lotes vagos, passou a ocupar também espaços públicos, como escolas e em quintais nos conjuntos habitacionais do programa Minha Casa Minha Vida.
Além da questão do acesso à terra, os agricultores urbanos enfrentam dificuldades para obter e poder pagar pela água de qualidade e da dependência de ONGs e Associações. "A água, esse bem fundamental, é privatizado nas cidades. Muitas ONGs e Associações ajudam os agricultores urbanos com o pagamento dessa conta, mas, quando a ONG para de ajudar, muitas comunidades não sobrevivem", disse.
Valéria de Marcos também acha fundamentar garantir a independência dos agricultores. "Nos Congressos de agroecologia muitos trabalhos sobre técnicas são apresentados. Temos que mudar isso e inserir os participantes na concepção dos projetos", disse. "Dar a possibilidade para que as pessoas digam o que elas querem."
Para que isso aconteça, segundo a pesquisadora, é preciso começar a inserir a mulher nos processos de decisão. "Existe a visão de que essas famílias são todas patriarcais, mas, na verdade, a mulher pode ter papel fundamental nas decisões do marido. Ele pode ter a palavra final, mas dificilmente faz isso sem ouvir a mulher", disse. Se o agricultor não tiver participação na escolha dos projetos que serão implantados, o movimento da agroecologia vai ser apenas um pacote que chegou pronto aos agricultores e que não provocou nenhuma mudança estrutural. "A nossa batalha é que a agroecologia seja a construção de uma forma sustentável de praticar a agricultura", disse.