Propagandas que vendem uma imagem do “ecologicamente correto” e da “salvação do meio ambiente” por parte de empresas vem crescendo, no entanto, a fiscalização quanto ao seu conteúdo deixa a desejar ao cumprir as regras estabelecidas. A prática do “greenwashing”, ou seja, realização de propaganda ambiental enganosa, não é regulada por nenhuma política pública e mesmo o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) não toma as medidas necessárias para evitá-la. As constatações anteriores são fruto de uma dissertação de mestrado realizada na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, pelo ecologista Erico Luciano Pagotto.
A pesquisa Greenwashing: os conflitos éticos da propaganda ambiental, orientada por Marcos Bernardino de Carvalho, foi desenvolvida no Programa de Mudanças Sociais e Participação Política. O objetivo do estudo é discutir a questão da propaganda ambiental no Brasil, na tentativa de entender como ela se configura, qual é o seu discurso e a sua importância para a sociedade. O greenwashing figurou como tema principal da pesquisa, que teve início em 2011 e foi finalizada em 2013. Erico, formado em ecologia, trabalha na área do marketing e a ligação entre as duas áreas foi a motivação para realizar a pesquisa.
“A primeira constatação do estudo foi que o número de propagandas ambientais entre 2011 e 2013 mostra uma forte tendência de crescimento. O próprio Conar, preocupado com a questão, lançou em meados de 2011 uma espécie de “guia verde” para a propaganda ambiental no Brasil para tentar orientar os anunciantes”, explica Erico. Também constatou que os discursos das propagandas são convergentes.
A “salvação do planeta” é um tema recorrente e, para atingir esse fim, as empresas visam passar a imagem do “ecologicamente correto”, ou seja, a empresa para mostrar o seu engajamento com as questões ambientais mostra-se tomando e incentivando decisões que estariam dentro do considerado bom ou correto. Esse procedimento seria responsável por mostrar a sociedade que o anunciante está fazendo um bom papel para um mundo melhor.
“A pesquisa mostrou também que praticamente inexistem políticas públicas adequadas para conter o problema do greenwashing. Isto é muito grave, pois na propaganda diz-se o que se quer, e não há nenhum tipo de responsabillização pelo dito”, afirma. Em casos nos quais a propaganda é questionada pela sociedade civil ou pelo Conar o anunciante apenas suspende a sua veiculação e não há nenhuma punição por isso. Mesmo que a propaganda saia do ar, ela já foi veiculada e cumpriu seu papel, atingindo o público e passando informações incorretas ou ideologicamente enviesadas.
As análises de casos revelaram uma grande ineficiência relativa ao papel do Conar. O órgão que deveria fiscalizar e coibir abusos mostrou-se inclinado, em diversos casos, em dar um parecer favorável ao anunciante. Mesmo após a criação do “guia verde”, o órgão demonstrou uma grande dificuldade em interpretar e aplicar as normas que ele mesmo criou. Um caso em que isso aconteceu foi a propaganda de uma geladeira que se dizia 100% ecológica, o que não condiz com a realidade. “Na minha pesquisa procurei levantar e discutir outros casos similares. E o que eu encontrei foi que o conselho talvez não esteja preparado do ponto de vista técnico para interpretar e aplicar as próprias regras que criou”, conclui.
A dissertação de mestrado serve como um alerta e um apelo. Não há políticas públicas direcionadas a estabelecer regras claras para a publicidade, principalmente para a ambiental, e o Conar não é capaz de oferecer diretrizes éticas para os anunciantes. Além disso, há o descompromisso das empresas, que querem criar uma boa imagem independentemente do método. Deste modo, a população geral é obrigada a conviver com intensa manipulação de discursos. “Acho muito grave vivermos em uma sociedade cada vez mais estimulada por mensagens publicitárias, cuja cultura está sendo reconstruída, e que não se dá conta de que consumo e degradação ambiental são duas faces da mesma moeda”, finaliza.