ISSN 2359-5191

09/12/2013 - Ano: 46 - Edição Nº: 114 - Arte e Cultura - Escola de Artes, Ciências e Humanidades
Reconstrução de trajes de asilo compõe obra de Bispo do Rosario
Detalhe do “manto da apresentação”. Imagem cedida pela pesquisadora.

O artista brasileiro, Arthur Bispo do Rosario, superou os limites de sua posição social por meio da sua arte. A obra de Bispo do Rosario foi analisada em pesquisa realizada na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) pela designer Solange de Oliveira. Segundo a pesquisadora, o artista “procurou de todas as formas transgredir sua posição no quadro social, e das mais nobres maneiras possíveis: pela religião, pelo esporte e pela arte, postumamente. Conquistou o poder que lhe foi subtraído, à revelia”.

A dissertação de mestrado, Uniformes e re-bordados de Bispo do Rosario: mundo desconstruído e ressignificado, orientada pelo professor Waldenyr Caldas, busca analisar o processo de desconstrução dos fios de tecimento dos uniformes e lençóis da Colônia Juliano Moreira, onde Arthur Bispo do Rosario viveu. Após desfazer os tecidos, os fios eram empregados na construção e bordados de novos uniformes. As peças eram desconstruídas e reconstruídas, assim como os bordados, e esse processo representa o desenvolvimento gradativo da atividade do artista.

Os uniformes e lençóis da Colônia Juliano Moreira eram remodelados ou transformados em uniformes idênticos aos da Marinha de Guerra, onde trabalhou por algum tempo. Bispo do Rosario “bordava as insígnias e medalhas condecorativas e depois re-bordava. Em outras palavras: além de todas as condecorações que estabelecem a hierarquia da corporação, Bispo ornamentava ainda mais os trajes. Mas os fios eram empregados também em outros trabalhos como assemblages, estandartes e, principalmente, o ‘manto da apresentação’ considerado pelo religioso, o ponto alto de sua produção”, explica Solange.

A pesquisa buscou entender o sentido na desconstrução dos uniformes da Colônia Juliano Moreira e o uso dos fios na construção de uniformes da Marinha de Guerra, bem como o entendimento das circunstâncias e do intuito desse processo. “A hipótese era que o apagamento, a reinscrição da trajetória e a ânsia por pertencimento, o impulsionaram à uma representação em forma de epopeia bordada e dedicada em louvor à Deus”, diz a pesquisadora.

O artista

Arthur Bispo do Rosario nasceu na cidade de Japaratuba, no Sergipe, na primeira metade do século 20. No contexto de seu nascimento, o Sergipe era influenciado por forte religiosidade, pontuada pelas tradições folclóricas, artesanais e quilombolas. Bispo do Rosario, descendente de uma população de escravos libertos, tornou-se marinheiro na juventude e posteriormente empregado de uma família carioca. O artista, com os estigmas de minorias étnicas, de origem e condição social de regiões pobres do Brasil, “atendeu às mais variadas formas de exclusão social agravadas, posteriormente, por um diagnóstico de esquizofrenia paranoide em seu estabelecimento na capital, o Rio de Janeiro”, explica Solange.

Com o diagnóstico de esquizofrenia, Bispo do Rosario foi condenado a viver em um asilo manicomial. A Colônia Juliano Moreira, onde viveu por 50 anos, até a sua morte, em 1989. Coletava objetos, dejetos, sobras e o que mais achasse interessante, ganhasse ou recebesse também. O que era considerado lixo por outros, era para ele matéria prima para construção de objetos sacros, à serviço do divino. A sua obra alcançou o grande público já perto do fim de sua vida, atualmente é prestigiada em galerias e museus do mundo todo.

Como foco de estudos, a pesquisadora escolheu analisar o acervo têxtil, como o “manto da apresentação”, que se insinua com um sudário ou um traje mortuário, e o conjunto dos uniformes. O “manto da apresentação” é vinculado à origem do artista, ainda em um Sergipe de tradição religiosa, praticada por Bispo do Rosario. O objeto representa a memória e as tradições locais. A análise do conjunto de uniformes permitiu entender que “o desfazer dos uniformes da Colônia, dissimula a padronização imposta e a reconstrução de uniformes da Marinha, repletos de insígnias e medalhas, apontam para a particularidade no grupo por meio dos ornamentos, sem desfazer-se do gozo do prestígio da hierarquia”, explica.

 A pesquisa, realizada entre 2011 e 2012, oferece um pouco da grandiosidade da obra de Bispo do Rosario, artista que criou algo impensado, inusitado, original e inventivo em sua obra por meio de sua reclusão, por suas memórias e por sua imensa crença e louvor a Deus. A sua obra pode ser visitada no Museu Bispo do Rosario Arte Contemporânea, localizado no Rio de Janeiro.

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