ISSN 2359-5191

14/02/2014 - Ano: 47 - Edição Nº: 128 - Sociedade - Faculdade de Odontologia
Faltam critérios para avaliação do dano civil no Brasil
Imagem: Portal Educação

A lesão na região da boca, do maxilar e dos dentes envolve menos parâmetros de quantificação de danos do que as do resto do corpo. Diferentemente do que acontece em países europeus, no Brasil, a falta de regulamentação nas perícias proporciona que os laudos sejam arbitrários uns em relação aos outros.

A definição de critérios para a avaliação do dano civil propicia uma abordagem pericial uniforme, o que evita distorções e promove, no caso de pessoas que sofreram injúrias e que necessitam ser indenizadas, critérios claros de avaliação.

Na área jurídica, a avaliação dos danos corporais constitui uma área de intervenção pericial cada vez mais relevante no ambiente da clínica forense. Carolina Verçosa, doutora pela Faculdade de Odontologia, explica que essa avaliação é realizada para se conhecer as consequências que um traumatismo tem sobre a integridade psicofísica e sobre a saúde de uma pessoa. Assim, pode-se reestabelecer o equilíbrio destruído pelo dano e recolocar a vítima na situação em que esta se encontraria se o fato produtor das lesões não tivesse ocorrido.

Como esclarece Carolina, lesões na região dos dentes, da boca e dos maxilares (orofaciais) podem ser consideradas pouco importantes diante de outras lesões sensitivas ou motoras. “Mas nem por isso deve-se descuidar do rigor de sua avaliação e valoração”, diz a pesquisadora. Segundo ela, o trauma na região facial pode afetar tanto a pele, a gordura, os músculos e os nervos quanto fraturar ossos e dentes, por isso comprometendo consideravelmente a vida da vítima. Há de se lembrar que a cavidade bucal tem grande influência na qualidade de vida dos indivíduos – pode alterar os padrões biológico, psicológico e social deles e influenciar na perda de autoestima, na capacidade de autoexpressão e de comunicação e prejudicar a estética facial.

A desvalorização do sistema estomatognático e, principalmente, do órgão dental no âmbito securitário é um fator cultural brasileiro. Na Europa, o dente é considerado um órgão anatômico e funcional. Mas a pesquisadora explica que “a realidade das perícias realizadas no Brasil tem sido bem diferente da dos países europeus”. Mesmo com algumas diferenças entre os lugares, as avaliações na Europa acabam por ter a mesma base: tabelas de incapacidades e parâmetros de avaliação do dano civil.

Carolina explica que a falta destes parâmetros no Brasil traz total liberdade ao perito para que expresse no laudo sua forma de realizar a perícia. Por outro lado, faz com que o mesmo tipo de sequela seja avaliado de diferentes formas, o que traz diferentes modos de interpretação e acaba por ocasionar uma falta de uniformidade nos critérios que fundamentam o parecer. “O que se tem na atualidade são perícias incompletas, abrangendo, frequentemente, apenas a avaliação de parte dos parâmetros de dano reparáveis em Direito Civil”, diz. Acredita que uma das causas para esse fato é o desconhecimento das diferentes doutrinas, filosofias e metodologias periciais que cabem nesta avaliação.

Atualmente, no país, a pesquisadora explica que é considerado um dano real aquele que afeta a pessoa em sua integridade física e psíquica. Após a identificação e a descrição do dano no relatório pericial, dá-se sua interpretação e valoração (qualitativa ou quantitativa, dependendo do parâmetro de dano em causa) concretizada à luz das normas legalmente definidas para a avaliação do dano na pessoa.

Na avaliação do dano corporal de natureza cível, contemplam-se danos temporários (repercussão temporária na atividade profissional) e permanentes (repercussão permanente na atividade profissional), além de patrimoniais (econômicos) e não patrimoniais (não econômicos), levando em conta o princípio geral da reparação integral dos danos. Ressalta que é fundamental que esta valoração seja sempre isenta, imparcial e o mais objetiva e fundamentada possível, definindo-se os conceitos e identificando-se os métodos e técnicas utilizados.

Embora exista uma tabela utilizada no Brasil, ela não contempla plenamente todos os possíveis danos que podem envolver o campo odontológico. Fraturas, perdas de dente, comprometimento de tecido periodontal e os respectivos reflexos na oclusão dentária ficam desorientadas quando comparadas às tabelas de incapacidades europeias, que elencam um número maior de sequelas. “Infelizmente, no Brasil, muitos consideram as taxas percentuais ou a pontuação sugerida pelas tabelas cômodas para os advogados e causadoras de uma valoração ‘engessada’”, alega Carolina. Por isso é que a realidade entre as perícias de ambas as regiões é tão diferente.

Por meio dos estudos realizados para sua tese de doutorado, a pesquisadora acredita que  as normas portuguesas para avaliação do dano odontológico, com as devidas observações à realidade brasileira sobretudo nos aspetos legais, podem facilmente ser adaptadas à situação nacional. Com isso, poderiam ser uma importante contribuição à promoção da qualidade das perícias brasileiras, orientando-as melhor para o objetivo proposto, já que, como comprovado pela literatura, a ausência de uma metodologia promove a realização de relatórios incompletos.

Então, como a avaliação do dano corporal pós-traumático em Direito Civil no Brasil não obedece qualquer tipo de norma e os procedimentos para avaliação e reparação de danos não estão legalmente regulamentados, medidas para estes fins devem ser pensadas. Além do estabelecimento de normas para avaliação da lesão corporal, Carolina acredita que seja necessário definir, em termos legais e claros, um sistema organizacional. Também acha importante repensar a formação dos peritos. “É imprescindível uma reforma nas normativas judiciais que introduza o Brasil em um sistema de arbitragem semelhante a países mais avançados na área de avaliação do dano corporal, com peritos adequadamente qualificados, resultando em menor intervenção dos tribunais de justiça.”

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