A permanência de títulos como Urupês e da série Sítio do Picapau Amarelo como obras importantes da literatura brasileira evidenciam o lugar de destaque que a figura de Monteiro Lobato, em seu papel de escritor, ocupa no imaginário popular até hoje. Pouco se conhece, no entanto, sobre suas outras facetas, que incluíam as atividades de leitor, tradutor e editor. Buscar entendê-las foi o objetivo de Camila Spagnoli em sua dissertação de mestrado defendida no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), intitulada "Monteiro Lobato, o leitor", que teve como foco principal a relação do autor com a leitura.
Camila afirma que pesquisou as referências de leitura de Lobato ao longo de sua vida, “não só durante os anos de formação dele enquanto escritor, mas como era a relação do Lobato com os livros depois que ele virou editor, ou na época em que ele traduzia”. Para tanto, ela realizou uma análise das cartas do escritor e também pesquisou obras que estiveram algum dia em suas estantes.
A pesquisa teve como ponto de partida A Barca de Gleyre, obra em dois volumes que reúne a correspondência de Monteiro Lobato para o escritor mineiro Godofredo Rangel, entre os anos de 1903 e 1943. Camila partiu das referências literárias deixadas nas cartas para então, em uma segunda etapa, fazer um levantamento do que restou do acervo do autor no Fundo Monteiro Lobato, depositado no Centro de Documentação Cultural "Alexandre Eulalio" (Cedae) da Unicamp, e na Biblioteca Infantil Monteiro Lobato, locais onde estão concentradas muitas das obras que pertenciam a ele.
A biblioteca dispersa de Lobato
Camila constatou que, diferentemente do que aconteceu com escritores como Mário de Andrade, cujo arquivo encontra-se no IEB, o acervo de Lobato acabou sendo disperso. Entre os fatores que podem ter ocasionado isso estão mudanças de endereços, empréstimos e doações de livros e de documentos pessoais.
No entanto, um fator principal é que após a morte do escritor o acervo ficou sob os cuidados de Edgard Cavalheiro, seu amigo e biógrafo. O problema maior teve início quando Cavalheiro faleceu. Foi, provavelmente, a partir daí que algumas pessoas começaram a se valer dos documentos, fazendo com que eles fossem espalhados. Alguns deles ainda puderam ser posteriormente recuperados e doados ao Cedae e à Biblioteca Infantil.
Além disso, em seu trabalho de pesquisa, Camila notou um fato curioso: no próprio acervo de Lobato existem livros com dedicatórias para outras pessoas — o exemplar de Bahia de Todos os Santos, de Jorge Amado, por exemplo, está dedicado a Caio Prado Jr. Isso pode indicar que, em vida, Lobato talvez tenha passado por situação semelhante à da dispersão que acabou ocorrendo com seu acervo e biblioteca.
Início da recuperação
A partir de seus estudos, Camila pôde organizar listas com os títulos que possivelmente pertenceram à biblioteca de Lobato. Para ela, tendo em vista que se trata de um arquivo ainda parcialmente disperso, seu trabalho contribui no sentido de organizar as informações disponíveis de maneira que outros pesquisadores possam fazer uso dessa coleta de dados e dar continuidade aos estudos sobre o escritor. “O Lobato era uma pessoa que lia muito, ele não leu só quando ele era escritor, ele leu o tempo inteiro da vida dele. E recuperar isso, essa biblioteca, mesmo que a gente tenha o acervo da Unicamp e da Biblioteca Infantil, é uma coisa muito rica, porque muito se perdeu”, afirma.