As mudanças nas áreas do conhecimento e da política no Brasil no período da Primeira República foram o tema central da primeira edição do Café Acadêmico deste ano, realizado no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB). O evento contou com a participação dos professores Paulo Iumatti (IEB) e Julio Vellozo (Mackenzie), ambos historiadores, e Stelio Marras (IEB), antropólogo. Os professores tomaram o artigo "Conhecimento, política e instituições no Brasil (1889-1934)", de autoria de Iumatti e Vellozo, como ponto de partida para a discussão.
Iumatti explicou que, para ele e Vellozo, com o advento da República e, particularmente, da Constituição de 1891, aconteceu no Brasil uma reorganização em todo o campo político (como, por exemplo, a modificação do conceito de nação), e também das condições em que se produzia o saber. "Embora não achemos que seja só essa a dimensão, nos concentramos na questão da reconfiguração que a Constituição vai trazer no que se refere às disputas por território", afirmou.
Para eles, este é um aspecto que ainda não foi suficientemente levado em consideração e que permite esclarecer a nova ordem que se instituiu nesse período, pois trouxe mudanças profundas no enquadramento institucional da produção do saber, ou seja, o que era considerado ou não "produção de conhecimento".
No entanto, Stelio Marras atentou para o uso de tal expressão. "É bom observar que essa produção do conhecimento é uma produção oficial do conhecimento", afirmou. "O conhecimento também se dá, e sempre se deu, entre os chamados populares", concluiu o professor.
Ciência e política
Segundo Iumatti, a partir de 1891 quase todas as províncias passaram a entrar em disputas territoriais. "Tudo isso tem várias conseqüências, porque com isso a gente tem uma disputa relativa a impostos, à exploração de recursos, então existe uma demanda pelo conhecimento mais apurado, mais exaustivo desses territórios", afirmou.
Assim, formaram-se comissões voltadas à produção de dados e conhecimentos, em áreas como cartografia e geologia, numa tentativa de articular tais disputas a partir do Governo Central. "Esse movimento das províncias em luta e a resposta do Estado nacional, que era obrigado a pelo menos organizar o debate, provocou uma demanda para a intelectualidade que nos parece muito interessante", complementou Vellozo.
Para os pesquisadores, produzia-se uma ciência de claro significado político, embora essa ligação não fosse necessariamente imediata. A partir disso, Marras levantou a importância de se relacionar a política às coisas, uma vez que estas também participam da composição do poder, numa relação de cosmopolítica. Dessa maneira, se reconhece que ela nunca se fechou no famoso "campo da política", e sua relação com a ciência e o poder pode ser melhor compreendida.