Pouco conhecida no Brasil, a síndrome de Marfan (uma doença genética que acomete o sistema ósseo, cardíaco e ocular) atinge 1 a cada dez mil indivíduos na população. Embora apresente uma reincidência considerável, ainda existe uma lacuna notável no estudo dessa síndrome. A fim de compreender mais sobre a doença e sobre os genes que a proporcionam, Gustavo Ribeiro, doutor em ciências biológicas (genética) pela USP, se propôs a observar em diferentes linhagens de camundongos como essa síndrome se manifestava e quais os detalhes - a nível genético - que determinavam sua gravidade em cada caso.
Primeiramente, entende-se a síndrome de Marfan (nome que leva em dedicatória ao pediatra francês que a descobriu, Antoine Bernard-Jean Marfan), como uma doença genética transmitida de geração para geração via um gene dominante, sem predileção por raça ou sexo. Aproximadamente 30% dos casos registrados são esporádicos e 70% de transmissão familiar direta. Dessa forma, quase um terço dos casos relatados surgiu de forma espontânea em famílias sem histórico de incidência da síndrome. A doença atinge mais de um sistema de órgãos no organismo humano, caracterizando seus portadores pela estatura elevada, escoliose, braços e mãos alongadas, deformidade torácica, prolapso (deslocamento em relação ao seu posicionamento normal) da válvula mitral, dilatação da aorta, miopia e luxação do cristalino.
Embora pouco conhecida pela população em geral, figuras bastante conhecidas na história mundial foram portadoras da síndrome de Marfan (SMF): o imperador romano Júlio César, o general francês Charles de Gualle, o ex-presidente americano Abraham Lincoln e até Osama Bin Laden teriam convivido com a síndrome durante boa parte de sua vida, o que não os impediu de realizar ações decisivas na história da humanidade.
Gustavo iniciou seus estudos sobre a síndrome ainda durante a graduação, quando entrou para um grupo que desenvolvia um modelo animal que portador de um gene modificado (fibrilina-1), que quando modificado levava ao desenvolvimento da SMF. Durante a pesquisa, foi percebido que haviam duas linhagens diferentes portando a mesma alteração genética e que manifestavam gravidades diferentes e que se desenvolviam em diferentes idades. “O meu trabalho, então, era tentar identificar quais eram as diferenças genéticas entre as duas linhagens que controlavam a gravidade fenotípica das manifestações que víamos nos animais”, explica Gustavo.
O estudo comporta um assunto novo para a comunidade científica, na medida que os outros modelos existentes para a estudar a SMF não apresentam a variabilidade entre linhagens observadas e nunca se conseguiu definir uma correlação entre genótipo e fenótipo para a doença (de forma a prever quais alterações uma pessoa vai desenvolver dada a mutação que ela apresenta). “O estudo desse modelo ajuda a entender quais genes são importantes para determinar a severidade de cada alteração da síndrome, o que pode ajudar a direcionar o tratamento para necessidade de cada indivíduo e talvez desenvolver novas terapias ou medicamentos”, pontua.
“Conhecendo os mecanismos moleculares por qual o fenótipo da SMF se instala, é possivel descobrir novos alvos e desenhar novos medicamentos que possam ajudar a amenizar o quadro clínico ou talvez até sua reversão”, defende Gustavo, embora lembre que a evolução e adaptação do estudo em camundongos para seres humanos é bastante demorado, uma vez que todos os genes encontrados em camundongos tem a mesma importância em humanos. “O estudo precisa ser expandido para outras linhagens murinas para se identificar a existência de mais genes modificadores”.