Doenças graves não trazem consequências apenas para o doente. Por esse motivo, muitas pesquisas dedicam-se a estudar seu impacto no contexto familiar. A maioria desses trabalhos, porém, abrange apenas o núcleo familiar direto (pais, irmãos e filhos do doente). Para preencher o vazio na literatura científica, a pesquisadora Ana Márcia Mendes-Castillo, do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Perdas e Luto da Escola de Enfermagem da USP, desenvolve um estudo com avós de crianças com câncer, que revela o papel desse familiar com o adoecimento do neto: abandonando ou adiando planos anteriores, eles assumem a responsabilidade por manter a união da família.
A maior expectativa de vida, possibilitada pelos avanços da saúde, permite um maior tempo de contato entre netos e avós – hoje é possível que até quatro gerações de uma família cheguem a conviver. Estudos anteriores revelam que os avós são a principal fonte de suporte social para que os pais possam exercer outras atividades – de lazer ou profissionais – assumindo, então, o papel de cuidadores. Essa função parece ter se intensificado com o aumento do número de divórcios e de pais solteiros e a maior inserção da mulher no mercado de trabalho. Assim, os avós se tornaram mais ativos dentro do núcleo familiar.
Esse papel ativo se mantém com o surgimento do caso de câncer infantil na família. A pesquisa de Ana Márcia revela uma nova dimensão do dito popular “avó/avô é mãe/pai duas vezes” – a preocupação desse familiar mostra-se, na realidade, tripla. Ele sente não apenas pelo sofrimento físico do neto, mas pelo sofrimento emocional do filho e dos demais netos saudáveis. Muitas vezes, portanto, dedicam-se ao cuidado desses irmãos, uma vez que as atenções nesse tipo de situação tendem a se concentrar na criança doente.
Sofrimento sileciado
Outro fator importante na experiência dos avós de crianças doentes é a sensação de não serem considerados parte da família pelos profissionais de saúde: alguns relatam não receber informações de primeira mão e orientações da equipe, ainda que em alguns casos eles sejam os principais cuidadores. O isolamento também marca o discurso dos entrevistados: grupos de apoio a familiares são em geral destinados a pais e irmãos, e eles não compartilham seu sofrimento com os filhos de modo a não sobrecarregá-los.
A pesquisa também revela que o conflito de gerações pode se manifestar nesses casos. Os avós sempre fazem o possível para ajudar seus filhos, trazendo vivências, conselhos e orientações. No entanto, com a chegada da doença, os participantes da pesquisa demonstraram estar tão ou mais perdidos que seus filhos, e reforçam o quanto gostariam de se informar melhor. A ajuda na maioria dos casos é bem vinda, mas os entrevistados relatam a necessidade de reconhecer a independência dos filhos para tomar decisões. “Faz parte do papel de avô”, conclui Ana Márcia.
O estudo, que permanece em desenvolvimento, já indica a necessidade de repensar o papel dos avós no atendimento a famílias, e sugere novas perspectivas de pesquisa tendo em vista o pouco que se sabe sobre a experiência dos avós em diferentes contextos de doença.