Segundo a Organização Mundial da Saúde, a gagueira atinge cerca de 1% da população do mundo, sendo que 30% desse número são de pessoas que sofrem com a intensidade grave e muito grave da doença. Apesar de a enfermidade ser de proporções raras, não tem cura e influencia negativamente na qualidade de vida de quem convive com ela.
Neste âmbito, um recente estudo feito pela Faculdade de Medicina da USP mostra como a tecnologia pode interferir de modo positivo no desenvolvimento da fluência dos pacientes com gagueira. O SpeechEasy, dispositivo específico para o tratamento da disfunção, está sendo estudado pela fonoaudióloga Ana Paula Ritto, que revela a primeira conclusão importante conquistada: “O aparelho causa um efeito imediato de fluência sem interferir na naturalidade de fala”.
Tratamento clássico x uso do SpeechEasy
O tratamento clássico para amenizar a gagueira, feito por meio do método comportamental, baseia-se em técnicas para melhorar a fluência. A lentificação da fala, característica dessa metodologia, causa estranhamento por parte dos pacientes, uma vez que não equivale ao diálogo natural. Já os resultados obtidos pela especialista com o uso do SpeechEasy, em um primeiro momento, trouxeram a fluência como consequência relevante do uso da tecnologia.
Criado há 15 anos nos Estados Unidos, o equipamento chegou apenas em 2007 no Brasil, importado pela Microsom. Atualmente, o SpeechEasy já é comercializado e não se encontra mais como experimental. Similar ao ponto eletrônico utilizado por apresentadores de televisão, o item permanece dentro do ouvido e demanda aptidão pessoal do paciente para se adaptar ao tratamento. Ainda que tenha eficiência comprovada, o aparelho não se adequa a todos os tipos de pacientes, principalmente aos que se prendem antes da produção do som da palavra, ao invés do bloqueio em uma sílaba. Isso ocorre porque o SpeechEasy funciona a partir do feedback auditivo, ao alterar como a pessoa recebe o conteúdo da própria fala – modificando o modo de recebimento da informação dita – no caso, atrasando e variando a frequência da voz do paciente recebida por ele através do dispositivo.
No estudo de doutorado da fonoaudióloga, o SpeechEasy permanecerá como objeto em questão, só que, desta vez, será avaliado em um período de três meses em indivíduos com gagueira de moderada a muito grave. Os testes começaram este ano e Ana esclarece que o objetivo é averiguar tanto a eficácia quantitativa, no caso de comprovar se realmente promove a fluência na fala; quanto qualitativa, principalmente na análise de melhora no cotidiano da pessoa depois do contato com o aparelho.
Ambos os tratamentos, o comportamental e o com uso de tecnologia, não se anulam. Na realidade, a pesquisadora acredita que “os dois têm efeitos positivos, a ideia é de que no futuro a possamos praticar os dois tratamentos concomitantes”. Assim, no doutorado ela mantém dois grupos como amostra, um submetido ao método clássico e outro com o aparelho eletrônico.
A doença
“A gagueira é um problema motor que não tem nada a ver com linguagem”, desmistifica a pesquisadora sobre a doença. Em decorrência de tal equívoco, acredita-se muitas vezes que a interrupção da fluência venha com o nervoso em determinada situação ou até mesmo de confusão na lógica do raciocínio. Contudo, o que ocorre, efetivamente, é um distúrbio crônico no processamento da fala.
Uma das teorias mais aceitas para explicar sua causa é a existência de déficit na ativação auditiva do portador. Ou seja, o tempo inteiro o ser humano fiscaliza a sua fala e o indivíduo com gagueira não consegue promover esse monitoramento eficiente, como explica Ana: “Na hora de o cérebro encadear um movimento em seguida do outro – o qual irá gerar a fala fluente – ele não consegue fazer isso, então permanece, por exemplo, parado na mesma sílaba porque a ordem para passar para a próxima ainda não chegou no sistema nervoso”.