As construções de moradia e sobrevivência, criadas a partir do reuso de materiais industriais descartados após o consumo pelos moradores de rua, foram alvo de um longo processo de pesquisa e análise nos últimos 20 anos, levado a cabo por Maria Cecilia Loschiavo dos Santos, professora do Departamento de Design, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU).
A pesquisa, iniciada em 1993, se foca em como os moradores de rua se utilizam dos restos do consumo da produção industrial, em São Paulo, Tóquio, Los Angeles e Paris. Abordando como são usadas, conscientemente ou não, técnicas de design sustentável e técnicas para tornar os materiais uteis, pragmaticamente, na proteção à vida.
Ao longo do período de aproximação com os objetos de estudo foi possível estabelecer um panorama das medidas de proteção dos barracos e de como elas são essenciais para a sobrevivência das pessoas que neles habitam. Alguns exemplos são as formas de barrar o frio durante o inverno, ou o calor durante o verão, entre outras adversidades que estimulam medidas de emergência.
Os espaços criados pelos moradores seguem uma lógica vernácular de design, ou seja, são utilizadas técnicas e materiais naturais ao local onde vão ser feitas as construções. De acordo com Maria Cecília, “A pesquisa busca olhar a materialidade e a configuração física do habitat nas ruas, calçadas e áreas públicas. A abordagem é do ponto de vista do design, do material e do projeto” de forma que existe um sentido de projeto nesses habitats “um sentido vernacular”.
Ao examinar o produto industrial do século 20, na trajetória de projeto, produção, consumo e descarte. Chegou-se à questão do descarte do produto industrial no meio urbano, que leva diretamente à problematica dos cidadãos em situação de rua. “Encontrei esses seres humanos que vivem do descarte industrial e que constroem com ele uma nova materialidade, que é a base de sua sobrevivência e base da proteção de suas vidas” Disse a professora Maria Cecília.
Outro fruto da pesquisa surgiu em 2003, em conjunto com o documentarista Evaldo Mocarzel. Trata-se do filme “À margem da imagem”, que trata da exclusão social dos moradores de rua, a partir de diversos aspectos como a exploração midiática e as diversas formas de sobrevivência. O documentário continua presente em festivais, inclusive tendo sido exibido no Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA, no dia 13 de maio.
Para a professora “A voracidade da mídia em passar por cima do necessário para a produção da imagem, trouxe à tona com mais intensidade a necessidade de preservação da dignidade humana nas situações que vivenciei”, ou seja, a experiência de ter sua pesquisa aliada ao produto audiovisual trouxe um maior amadurecimento e aprofundamento dos aspectos já levantados pela pesquisa.
Dando continuidade aos estudos iniciados vinte anos atrás, Maria Cecília prevê o lançamento de um livro a respeito da relação de pessoas que recolhem lixo reciclável, design sustentável e a dignidade humana, fazendo uso de parte dos conhecimentos adquiridos nas cerca de cem entrevistas feitas com moradores de rua, categoria composta em grande parte pelos catadores de lixo.