São Paulo (AUN - USP) - A língua de sinais brasileira, conhecida como Libras, jamais havia sido documentada. Até que em 1997 o Professor Associado do Instituto de Psicologia da USP, Fernando Capovila, juntamente com sua equipe identificaram e organizaram os sinais segundo suas características, criando um sistema de busca que obedece á uma lógica própria, como orientação da palma, movimentação, expressão facial entre outros. Desse trabalho surgiu, em 2001, o primeiro dicionário de Libras do Brasil, indicado ao Prêmio Jabuti na categoria Educação e Psicologia, em 2002.
Todavia, como afirma o próprio idealizador do projeto, ninguém aprende uma língua através de um dicionário e foi justamente dessa necessidade que surgiu o conceito da primeira enciclopédia da língua de sinais brasileira, cujos dois primeiros volumes - Enciclopédia da Língua de Sinais Brasileira: Sinais de Educação e Sinais de Artes e Cultura, Esportes e Lazer- foram lançados em 2004.
Os volumes satisfazem aos dois quesitos básicos de um material pedagógico: ensino e avaliação. Cada enciclopédia é dividida em duas partes. A primeira traz o mundo do surdo em libras com ênfase em determinada área do saber como educação, saúde, cidadania, medicina etc. A outra metade se destina a fornecer ao professor um instrumento de avaliação normatizado de análise das competências lingüísticas da população surda em idade escolar, de modo a permitir as escolas e aos responsáveis pela política de ensino, descobrir sob que condições a criança surda aprende mais e melhor.
Os esforços para a execução do projeto foram muitos, contudo a maior empreitada ainda está em andamento, segundo Capovila: “Quando fui buscar patrocínio queriam saber como constatar a eficácia dos volumes. Então me propus a fazer a avaliação de cinco mil surdos de 14 estados diferentes e depois de mapear o desenvolvimento da linguagem, utilizar a enciclopédia durante três anos no ensino e depois reavaliar, comparando o desempenho final com o inicial, série á série. Esse sim é o projeto mais ambicioso”.
O Brasil possui cerca de 519.000 surdos com idade entre 0 a 17 anos e apenas 12.5% dessa população está na escola. O mapeamento se propõe á analisar as necessidades e possibilidades de aprendizado dessas crianças e os resultados têm mostrado que,crianças com surdez congênita se dão melhor em escolas especiais, enquanto crianças com surdez tardia aprendem melhor no sistema de inclusão, visto que a língua materna é o português. Para Capovila é temerária a remoção das crianças surdas e sua pulverização em escolas para ouvintes com professores que desconhecem a língua de sinais, bem como inviável econômica e pedagogicamente a disponibilização de intérpretes para cada uma das 519 mil crianças.
Além do ensino e avaliação, volumes da enciclopédia foram pensados de maneira a apoiar uma política pública de ensino responsável que leve em consideração o desempenho da criança. Essa preocupação é visível nas palavras do professor: “O que eu critico é uma visão de inclusão irresponsável, sem preparo. E apelo para é que o Governo não desmonte as escolas para surdos sem antes levar em consideração o estudo sobre em quais circunstâncias, eles aprendem melhor” conclui.
O terceiro volume da enciclopédia contendo sinais sobre relações familiares e casa e o quarto sobre religião e eventos foram lançados este ano e possuem uma bateria de 11 instrumentos de avaliação de competências, normatizada e validada para amostra de 1.158 surdos do ensino fundamental ao médio e já implementada na Internet para teleavaliação de surdos em todo o território nacional.
A idéia é produzir 19 volumes, sendo o último deles com previsão para ser lançado em 2006 e em 2010 mensurar o impacto da enciclopédia sobre o crescimento de todas as competências lingüísticas da população surda avaliada.