São Paulo (AUN - USP) - Eduardo Morettin, professor da Universidade de São Paulo, revela que a importância do cinema firma-se pela “necessidade do ser humano de gravar, filmar, fotografar sua experiências, utilizando novas tecnologias para construir a memória”.Nas palavras da estudante Juliana Fortuna, ao citar o cineasta curitibano Fernando Severo, “ O cinema é uma arte que testemunha a passagem humana pela terra”. Por tamanha relevância para a cultura, história e expressão da sociedade, a preocupação com a democratização dessa arte ,que também é um meio de comunicação, tem tido destaque e conta com projetos desenvolvidos por diferentes grupos, desde os vinculados a governos, ONGS até a instituições privadas.
Em Curitiba, foi criado há dois anos o Projeto Olho Vivo (divulgado por Juliana, aluna da Puc-Curitiba), que se tornou modelo de ensino de cinema. “Agrupando pessoas de níveis culturais e sociais diferentes, mas que têm em comum, o amor pela arte”. A sétima arte, como a chamam, é ensinada através da alfabetização da linguagem audiovisual. O projeto conta com curso de realização de vídeo, roteiro, produção de documentários, focando em temas não muito divulgados, como a vida dos catadores de papel e negros na cidade de Curitiba. No entanto é preciso participar de uma entrevista seletiva que avalia o nível de interesse para integrar esse grupo de alunos privilegiados: as vagas são poucas diante da procura. Na semana anterior ao Congresso o Projeto conseguiu o patrocínio da Petrobrás. Com maior verba é mais fácil trabalhar em pró do que acreditam, isso é, “que o cinema permite que as pessoas estejam inseridas no mundo globalizado”. O escasso apoio por parte das empresas brasileiras é uma crítica que a jovem estudante faz, afirmando que “falta uma mentalidade de disseminar cultura”.
Outra experiência interessante está acontecendo em Campinas. O MIS(Museu de Imagem e Som) e o Cine Paradiso, criado em 1983, são uma alternativa ao circuito norteado por uma política exclusivamente de mercado. Na cidade existem 45 cinemas, todos em shoppings e multiplex.
“Os sobreviventes”, como são chamados em alusão às dificuldades que enfrentam para continuar existindo, trazem para a cidade filmes que o grande circuito não exibe, como aconteceu em 2004 com “Entreatos” e “Peões”. Funcionam em espaço privado, não geram lucros, mas são referência cultural. A única sala do cinema, no centro da cidade, tem 89 lugares. No acervo 450 filmes que fazem parte da história do Brasil, fotografias e vídeos.
Ultrapassando os limites regionais, o Cine Viagem Latino é outro projeto de democratização, circulação e formação de público diferenciado. Pretende criar uma rede entre a produção e o público de um circuito cinematográfico alternativo. Cynthia dos Santos, da Universidade de São Paulo, é uma das idealizadoras da meta de ir de carro a diversas universidades latino-americanas para exibições de filmes brasileiros e mapeamento da produção independente local. Integrante e criadora da agência de produções Brazuca, promove sessões de filmes em lugares alternativos, como escolas, praças e prisões.
Como foi enfatizado durante o encontro, “um dos interesses da democracia é aumentar a cultura do povo. O cinema é uma forma de comunicação e difundi-lo é um processo democratizante”.
O novo cinema documental argentino
Ana Maria Amado, pesquisadora e professora da Universidade de Buenos Aires, foi a primeira palestrante a expor seus trabalhos no grupo que discutia como democratizar a Comunicação no Cinema e no Vídeo. Ressaltou a virtude historiadora do filme, não porque este se ocupe de uma narrativa histórica precisa, mas porque ao resgatar realidades vividas torna-se objeto de reconstrução de memória.
Essa visão do cinema como algo presente no “coração do íntimo e do coletivo” está vinculada à experiência do cinema experimental argentino da década de 90, tipo de produção documental, que se aborda dois campos marcantes que se cruzam: social e político. Essa geração de cineastas é em grande parte formada pelos filhos dos sobreviventes ou militantes mortos durante a ditadura militar no país. Com a abertura política vieram testemunhar o que aconteceu com as vítimas, o que para a estudiosa consiste, muitas vezes, “num discurso mais afetivo que político”.
Foram exibidos durante a palestra trechos dos filmes “El tiempo y la sangre”, de Alexandra Almirón, e “Encontrando a Victor”,de Natália Bruste, que enfoca a conversa inquisitiva dessa jovem com sua mãe em busca de respostas para ajudá-la a entender o que aconteceu com seu pai.
Ana Maria aponta uma relação entre duas gerações: “Uma comprometida com a luta, outra com a memória” Os atuais documentaristas protagonizam um gesto poético e político, para ela.
Esses relatos estão acontecendo em vários países e diferentes artes. Ana Maria afirma que o cinema é a mais democrática das artes, por isso é necessário que existam políticas públicas(por parte do governo e das instituições) que facilitem o acesso à produção, sendo esse o primeiro passo para a democratização cinematográfica. Isso já está acontecendo na Argentina, onde começa a surgir uma circulação alternativa para essa produção nacional: palestras, escolas, festivais foram os espaços encontrados para ampliar o alcance desse circuito cultural que enfrenta grandes barreiras de distribuição.