A redução dos índices de pobreza no Brasil, legado das duas gestões do governo Lula, possibilita hoje a referência a uma “nova classe média”, definida pelo aumento da chamada classe C. Essa mudança significativa na composição da estratificação por renda da sociedade brasileira é objeto de pesquisa de pós-doutorado de Ludmila Costhek Abílio, realizada pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA), que estuda essa transformação na sua relação com a exploração do trabalho, também apurando a consolidação de um discurso dominante sobre o atual desenvolvimento do Brasil, tanto no mainstream acadêmico quanto nos discursos oficiais do governo.
Para a realização de seu trabalho, Ludmila baseia-se em três frentes: primeiro, a pesquisadora faz uma revisão bibliográfica sobre a definição teórica de classe média. Depois, um levantamento das publicações acadêmicas e governamentais sobre a dita nova classe média e suas contraposições. Por último, Ludmila vem realizando uma pesquisa empírica com os motoboys da cidade de São Paulo, que compõem atualmente parte da categoria de trabalhadores entre as principais ocupações do estrato definido como classe C. “Meus estudos realizam uma investigação da mobilidade social brasileira e, mais especificamente, da constituição dessa nova classe média a partir do mundo do trabalho”, afirma a pesquisadora.
Segundo Ludmila, o aumento dos rendimentos, o crescimento significativo dos postos de trabalho formais, o maior acesso ao crédito e a ascensão dos índices do mercado consumidor formaram a combinação perfeita para o discurso em torno da existência dessa nova classe social. A novidade, entretanto, estaria relacionada aos níveis de consumo desse estrato da população. “Em 2010, o Brasil tornou-se o terceiro mercado consumidor em computadores, também terceiro em produtos de higiene pessoal, beleza e cosméticos e quarto lugar no consumo de automóveis”, conta. “O número de cartões de crédito e de débito teve um crescimento de mais de 430% entre 2000 e 2010, enquanto que o tráfego aéreo doméstico apresentou crescimento de 73,04% no mesmo período”.
Contudo, de acordo com a pesquisadora, o reconhecimento dessa classe como trabalhadora está em permanente disputa teórica, assim como seu papel político. Com base nisso, a parte empírica de seu trabalho advém de um ponto de partida bem definido: para ela, os motoboys estão associados a um modo de vida e às precárias condições de trabalho, distantes do que se poderia caracterizar como classe média, e este fato precisa ser problematizado e reconhecido pela perspectiva da exploração do trabalho. “Recoloco em pauta essa questão [da exploração] como elemento central para o difícil reconhecimento das classes e para um questionamento sobre quais projetos políticos hoje embasam a noção de desenvolvimento”, defende Ludmila.