Um estudo desenvolvido no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, em parceria com a Stanford University, dos Estados Unidos, descobriram uma molécula que se mostrou muito eficaz no tratamento de insuficiência cardíaca, chamada Alda-1.
Doenças cardiovasculares, como hipertensão, ataques e insuficiência cardíaca, são as que mais matam na atualidade. Os remédios disponíveis no mercado são pouco eficientes. “As drogas evitam que a função cardíaca dos pacientes piore. Nossa droga, além de evitar o agravamento da doença, foi capaz de melhorar a função cardíaca”, afirma Julio Cesar Batista Ferreira. Ele foi orientador da pesquisa, que corresponde ao mestrado de Kátia Maria Sampaio Gomes.
A molécula descoberta é responsável por regular uma proteína (enzima) nas célula cardíacas: o aldeído desidrogenase 2. Ela está envolvida na cadeia de metabolização do álcool. Se seu funcionamento falha, o indivíduo acumula um subroduto do álcool que causa sensação de mal-estar, decorrente de intolerância. Isto é observado em 45% da população asiática, que apresenta vermelhidão na pele ao ingerir bebidas alcoólicas.
“Descobrimos que essa enzima também é importante para metabolizar produtos associados ao agravamento da doença cardíaca. Ativando-a, é possível proteger tanto contra coma-alcoólico quanto para a doença cardíaca”, afirma o professor.
A mutação que prejudica a ação da enzima em questão é a mais comum do mundo, atingindo cerca de 600 milhões de pessoas. “Os afetados têm maior chance de desenvolver doenças cardíacas, devido ao problema com a proteína, e descobrimos essa molécula que corrige o funcionamento dela. A aplicação clínica é gigantesca”
Testes pré-clínicos
Para avaliar a eficácia do produto, foram feitos testes em ratos. O primeiro passo foi induzir insuficiência cardíaca neles. Nos homens, a doença geralmente surge após um infarto, isto é, parte do coração para de funcionoar, prejudicando a entrega de sangue e, consequentemente, de oxigênio, aos sistemas.
Para simular isto nos ratos, amarraram-se alguns vazos de seus corações. O próximo passo foi avaliar a condição dos animais. ”Fizemos ecocardiogramas, a partir dos quais conseguimos ver o tamanho do coração, como ele bate e quanto sangue ele ejeta para o corpo”. Outra avaliação foi através do cansaço. “Colocamos esses animais em uma esteira. Os doentes correm menos”. Ainda foram feitas análises externas do coração, verificando o estado das células cardíacas.
Em seguida, trataram os animais com a molécula durante três semanas. Para ministrar-lhes a molécula, utilizou-se uma bomba osmótica. Ela é uma cápsula que é preenchida com a substância desejada e colocada na região dorsal do animal, subcutânea. A cada quantia de tempo ela libera um volume da droga.
Seis semanas após a introdução da bomba, os exames foram refeitos. Os animais que a receberam apresentaram melhora na função cardíaca. Os que não a receberam, apresentaram piora. “A molécula foi capaz de corrigir a alteração da enzima e aumentar sua atividade em até dez vezes”, conta Ferreira.
Outro aspecto interessante é que a molécula não se mostrou tóxica. “Nos perguntamos se, ao ficar muito tempo na circulação, essa droga não se tornaria venenosa”. Para descobrir, eles submeteram animais saudáveis ao mesmo tratamento. Em seguira, analizaram os estados do coração, dos rim e do fígado. Nenhum se mostrou afetado, o que permite concluir que a droga não é tóxica.
A partir da descoberta, os parceiros do ICB em Stanford abriram uma empresa do tipo start-up, chamada Aldea Pharmaceuticals, para arrecadar verba e continuar os estudos. A ideia é realizar testes clínicos em humanos. “Porém, estes testes custam muito caro, algo em torno de US$ 100 milhões e US$ 200 milhões”, pontua o pesquisador. No momento, a equipe tenta otimizar a molécula: aumentar sua duração, potência e vida útil. Somente em agosto ocorrerão os primeiros testes clínicos.
Reconhecimento
A pesquisa de Kátia, que foi publicada na Physological Reviews e na Cardiovascular Research, foi considerada altamente inovadora e com grande potencial comercial. Seu trabalho foi vencedor da “Olimpíada USP de Inovação”. O concurso é organizado pela Agência USP de Inovação, um orgão da universide que tem como objetivo estimular projetos inovadores ou empreendedores a se desenvolverem.
O projeto concorreu na categoria de Prova de Conceito. À equipe vencedora foi dado um certificado de reconhecimento e o direito de participar do curso de aperfeiçoamento semipresencial Gerenciamento e Execução de Projetos de Inovação em Empresas, promovido pela Agência USP de Inovação e o Instituto de Física de São Carlos IFSC, da USP.
“Normalmente, na universidade, só se busca ciência de base. O que fizemos foi tentar, além de entender a base, trazer uma aplicação clínica”, afirma Ferreira. “A academia está preocupada em entender problemas muito pontuais. Já passou da hora de tentar integrar”.
Neste sentido, o projeto Supernova, desenvolvido pelo ICB, pode auxiliar muito. “O Supernova encontra projetos como estes, nos quais precisa-se da ciência de base, mas que inclui outros setores, como o médico, o gestor e o empresarial para se desenvolver. Todos trabalharão em conjunto”.