Em cada célula do nosso corpo constam especificações importantes acerca daquilo o que é ou não pertencente ao nosso organismo, o que terá um papel imprescindível na atuação efetiva do nosso sistema imunológico e na defesa do corpo contra invasores. No entanto, grande parte dessas informações se encontra na região do Complexo Principal de Histocompatibilidade, um denso aglomerado de genes em nossos cromossomos, que embora possua um considerável hall de pesquisas a seu respeito, ainda desperta um série de indagações na comunidade científica.
Buscando respostas para as questões associadas à evolução de genes do sistema imunológico humano, Maria Helena Maia, em sua pesquisa de doutorado pelo Instituto de Biociências da USP, se propôs a analisar essa história tomando por base as informações contidas no genoma de populações ameríndias (nativas das Américas). Sob a orientação do professor Diogo Meyer e com a importante e colaboração de colegas envolvidos na pesquisa, sua análise foca-se no estudo de um grupo de genes bem específicos da região do Complexo Principal de Histocompatibilidade (conhecida como MHC, localizada no cromossomo 6): os genes HLA. “Esses genes têm como característica principal a diversidade genética alta. O que isso significa? Normalmente, genes possuem uma ou duas variantes. Alguns genes HLA, como o HLA-B, por exemplo, apresentam mais de 3.000 variantes na população humana”, explica Maria.
A variação elevada expressa pelo HLE tem uma relação importante com a sua função no sistema imunológico: as moléculas HLA são responsáveis justamente por fazer o sistema imune reconhecer o que é não-próprio do nosso organismos, como por exemplo, agentes infecciosos. Dada a infinidade de microrganismos na natureza e a probabilidade da nossa intereção com eles, ao logo do tempo a relação dos seres humanos com esses microrganismos gerou uma dinâmica evolutiva explicada pela teoria da seleção natural. Dessa forma, as variantes de HLA capazes de apresentar melhor os agentes infecciosos ao sistema imune eram mantidas na população e subiam de frequência ao longo das gerações. Do contrario, desapareciam. Ao mesmo tempo, patógenos que conseguiam escapar do sistema imune humano, subiam de frequência, causando grande mortalidade e selecionando variantes de HLA que antes não eram tão comuns. “Esse processo dinâmico, semelhante a uma corrida armamentista, resulta, depois de muitas gerações, na manutenção de variantes de HLA que sobreviveram a essa batalha. E é esse perfil de variantes sobreviventes que o meu trabalho vem buscando nas populações ameríndias”, pontua. O motivo pelo qual as populações teriam sido escolhidas teria sido seu isolamento em relação a outros grupos durante maior parte da colonização europeia, dessa forma mantendo em seu genoma, uma “história” demográfica e seletiva praticamente intacta.
“Imagino que os estudos envolvendo genes HLA e seus mecanismos de evolução em seres humanos contribuem de maneira considerável para o melhor entendimento da resposta imunológica a patógenos”, explica Maria, “Se a pesquisa nesse campo avança, a comunidade científica pode chegar a descoberta de vacinas ou terapias que ajudem o nosso sistema imunológico a responder de maneira mais eficiente a infecções por agentes patogênicos”.
Segundo a pesquisadora, estudos na área possuem uma grande importância médica, uma vez que a diversidade genética está relacionada a fatores desde a compatibilidade em transplantes de órgãos até a susceptibilidade a doenças infecciosas e autoimunes. Além do aspecto médico, ainda há o fator de ajuda aos geneticistas, pois ajudam a entender um pouco mais da historia evolutiva das populações, sendo peças fundamentais na montagem da resposta imunológica a patógenos, ou seja, o perfil de alelos de uma população pode refletir uma batalha travada entre os patógenos e o nosso sistema imune.