São Paulo (AUN - USP) - A partir do segundo semestre, poderá ser consultado via Internet o Acervo Camargo Guarnieri, que hoje pertence ao IEB-USP. Informações sobre correspondências e partituras e, futuramente, todo o material presente na coleção, estarão disponíveis no Banco de Dados On-line, que está em processo de alimentação pelo instituto. O novo recurso facilita a pesquisa e a consulta e diminui problemas de acesso às obres e seu manuseio.
O Banco de Dados é a etapa final do trabalho desenvolvido pela equipe de restauração e pesquisa liderada pela professora Flávia Camargo Toni, que cuida do projeto desde que o Instituto recebeu o acervo, com toda a obra composta pelo músico Mozart Camargo Guarnieri, além de correspondências, fotografias e recortes de jornais por ele reunidos. São, aproximadamente, 700 títulos entre as peças musicais, 15.000 cartas, incluindo a correspondência ativa e passiva, que envolve mais de 800 nomes, além de 5.000 recortes de entrevistas e matérias pautadas pelo músico. O material foi integralmente doado ao IEB em 2001 pela viúva do compositor.
O trabalho de separação e catalogação foi, no entanto, prejudicado por um incêndio sofrido pelo acervo enquanto ainda estava no estúdio, antes da sua chegada ao Instituto. Nenhuma parte da obra foi perdida ou irremediavelmente danificada, mas a fuligem e resíduos da espuma anti-incêndio retardaram a restauração. “Além de já serem antigas, estarem empoeiradas e possuírem problemas de fungos devido ao contato com a umidade, as partituras sofreram esses danos com o incêndio”, afirma Paula Marcon, estudante do terceiro ano de Filosofia e responsável pela parte de higienização, acondicionamento e restauração no projeto. Ela explica que no processo de limpeza, são varridas as folhas uma a uma, com a ajuda de uma trincha e uma borracha de vinil, num trabalho delicado e minucioso. Depois de limpas, são retirados das partituras quaisquer materiais que as agridem, como o durex, por exemplo. É feita uma raspagem com espátula e passa-se um algodão com clorofórmio.
Depois da separação e limpeza, inicia-se o processo de catalogação, em que é feito o estudo propriamente dito do material. “É um acervo muito grande, e a gente começa a conhecê-lo melhor só agora”, diz a professora Flávia Toni, explicando que, por muito tempo, a equipe teve de se dedicar exclusivamente a essas etapas iniciais. A catalogação conta com a descrição de peças do acervo e sua reunião em segmentos específicos. Um catálogo já finalizado é o que reúne informações sobre a obra interdita de Camargo Guarnieri.
Por ordem testamental do autor, as composições realizadas de 1920 a 1928 não podem nunca ser impressas, publicadas, gravadas ou reproduzidas, servindo apenas como material de estudo para fins de comparação, como o próprio músico exige. Daí a urgência em catalogar esse material e dispor informações sobre ele à pesquisa. A responsável pela realização dessa tarefa é Judie Pimenta Abrahim, estudante de Música. Ela relata que foi necessário fazer “uma radiografia da obra”, anotando as características musicais e registrando as observações e alterações feitas por Guarnieri. Ela afirma, ainda, que algumas obras desse período apresentam nítida semelhança com outras posteriormente compostas e publicadas, e pode ser importante para o pesquisador ter meios para enxergar essa relação: ‘a catalogação dispõe mais material para a pesquisa”, diz ela, que também é pianista.
Estão também finalizados os processos de catalogação dos recortes – feito por Klaus Wernet, estudante de História – e da correspondência, realizado por Rosângela Veríssimo, que cursa Letras e é também a responsável pela organização do banco de dados. Está formado por ela um dossiê de todas as cartas, disponível para consulta.
A equipe de pesquisa também atenta para a urgência que existe em digitalizar o material do acervo, pois os processos de impressão utilizados, a heliografia e o xerox – característicos do século XX – são instáveis e corre-se o risco de perder-se a impressão. Essa digitalização é o próximo passo que envolve o projeto Camargo Guarnieri.
O compositor
Mozart Camargo Guarnieri foi um dos músicos eruditos de maior expressão da América Latina. Tendo, reconhecidamente Villa-lobos como seu mentor, é autor de Pedro Malazarte – para citar sua obra mais conhecida – e foi fundador e maestro titular da OSUSP, a Orquestra Sinfônica da Universidade de São Paulo, em 1975, e nela trabalhou até seu falecimento, em 1993.