São Paulo (AUN - USP) - Mais de um milhão e meio de pessoas moram em áreas de proteção aos mananciais, ou seja, áreas próximas a nascentes de rios. Segundo a lei, elas não poderiam estar lá, mas o governo também não tem como mover toda essa população para outro local assim como está impossibilitada de instalar qualquer tipo de infra-estrutura.
Tendo esse problema como foco, o LABHAB, Laboratório de Habitação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, lançou o projeto "Reparação de danos e ajustamento de conduta em matéria urbanística", coordenado pela professora Maria Lúcia Refinetti Martins. A pesquisa foi realizada de 2002 a 2004 e levantou dados sobre a população que reside em áreas de mananciais da represa Billings e Guarapiranga.
As represas Billings e Guarapiranga são responsáveis pelo abastecimento da região metropolitana de São Paulo. Se a poluição dessas águas for muito grande, será impossível tratar a água a ponto de ela ficar com qualidade suficiente para a utilização doméstica.
Em São Paulo, a lei de controle urbanístico e ambiental 898/75 delimita as áreas de proteção dos mananciais da Cantareira, Billings e Guarapiranga. Nesses locais, a ocupação deve ser mínima, e a lei permite apenas sítios na área. Como só são permitidos sítios, a instalação de redes de infra-estrutura, água e esgoto, energia elétrica ou pavimentação, por exemplo, é proibida.
Além disso, existe uma lei federal que se chama Código Florestal, que diz que algumas áreas não podem ser ocupadas com nenhum tipo de construção, as áreas de preservação permanente. Só pode ser ocupado um espaço mínimo de 50 metros de raio em torno da nascente, ou no mínimo a 20 metros das margens de córregos e rios.
Na década de 60, com o rápido crescimento da cidade de São Paulo devido ao alto processo de industrialização, aqueles que vieram trabalhar nas indústrias que se instalavam na época não tinham recursos suficientes para comprar ou alugar uma residência. A solução que a maioria encontrou foi comprar um lote na periferia e construir sua casa própria. Só que muitos desses lotes estavam em áreas de proteção ambiental. Com a lei que restringia a construção, esses terrenos estavam desvalorizados, e muitos proprietários encontraram lotearam a área e venderam para quem tinha interesse em construir sua própria casa. Como a instalação de infra-estrutura é proibida, essa população vive em condições precárias.
Segundo o projeto, esse problema não tem solução na situação atual. “Estuda-se a mudança na lei, já que essa lei é o mesmo que dizer que é proibido passar fome”, diz a professora Maria Lúcia. Seria feito então um acordo entre as partes – moradores e governo –, isto é, a lei se adaptaria a situação, mas sem deixar de lado a proteção dos mananciais. “A lei não protege coisa nenhuma”, completa a professora, dizendo que a prática está bem longe da teoria.
Soluções
Para a professora, essa questão pode ser respondida com três soluções: mandar o exército retirar os moradores de lá, deixar como está e ignorar a área de proteção ou ter boa-vontade para mudar. “É caro, problemático e difícil.”
O projeto propõe algumas medidas, como a organização dos moradores para que, em parceria com a prefeitura e o governo do estado, construir soluções para melhorar as condições de vida de todos. Assim como a drenagem, coleta de lixo, instalação de sistema de esgoto, controle da ocupação e outras ações conjuntas com prefeituras.
Dentre experiências que deram certo, estão o Parque Andreense, no município de Santo André. No local foram instaladas calçadas gramadas, solução que não impermeabiliza o solo como o concreto e o asfalto. As escadas do bairro foram construídas de modo que a água da chuva possa escoar. Os "bairros ecológicos" de São Bernardo também são uma alternativa. Calçadas e asfalto que absorvem a água da chuva.
Quanto tempo? “A perder de vista”, responde Maria Lúcia. “Mas precisa se fazer alguma coisa”. A solução precisa levar em consideração uma política de habitação, alternativas de utilização do local e o aproveitamento econômico disso tudo. “Isso é a expressão da precariedade da sociedade brasileira. A questão da casa não está na cesta básica. Temos que pensar na importância da água, na questão urbanística e investir na cidadania.”