Moradias operárias construídas em São Paulo, principalmente nos últimos dois séculos tiveram sua arquitetura e desenho influenciados por modelos herdados tanto da Inglaterra, berço da revolução industrial, como das senzalas, destinadas aos escravos no período anterior à abolição.
“Para melhor compreender como os projetos de vilas operárias se disseminaram pelo território paulista, foi preciso realizar uma investigação bastante ampla, na qual estudamos as origens de diversas habitações”, disse Marcelo Cachioni, pesquisador da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. A partir da análise dessas estruturas foi elaborada a pesquisa “Londres, Lisboa e São Paulo: vigilância, ordem, disciplina e higiene nos espaços de sobrevivência operária”.
A construção das vilas operárias estava muito relacionada à necessidade de mão de obra barata para a crescente industrialização e urbanização da metrópole, fato que levou a soluções muitas vezes não pensadas a longo prazo. De acordo com Marcelo “As unidades eram edificadas basicamente por empreiteiros interessados no lucro dos aluguéis e por empresários paternalistas que ofereciam moradia aos seus funcionários”, aspecto que se relaciona com as estruturas precárias das construções.
O estudo também retratou a intensa relação das vilas operárias brasileiras com as erguidas em Lisboa, que possuem traçado e função social muito semelhantes, ambas construídas em períodos próximos. “Fizemos uma investigação sobre a habitação operária de Lisboa, a partir do estudo de 50 pátios e vilas, com o objetivo de verificar e constatar as influências de modelos habitacionais operários portugueses no Brasil”, disse Marcelo, “por sermos uma ex-colônia operamos de forma semelhante o tratamento dos operários”.
No estudo também foram traçadas as influências dos modelos arquitetônicos na vigilância e repressão à organização dos operários, aplicadas tanto pelos patrões quanto pelo estado. A proximidade das vilas operárias com as fábricas nascentes não foi uma escolha relacionada apenas com a mobilidade dos trabalhadores, mas também com a maior facilidade em observar as mobilizações operárias e consequentemente acabar com elas.
“Os projetos, a partir da intervenção governamental, passaram a ser influenciados por uma intenção de controle e vigilância, com vistas à criação de moradores consciente de seus deveres e obrigações sociais”, explica o pesquisador, “também é perceptível a influência direta das diversas teorias sociais, planos urbanísticos e políticas habitacionais repressivas, com raízes europeias, nos espaços criados em São Paulo, incluindo aí os valores altos de aluguel”.