Apesar de todas as polêmicas sobre as reformas no Código Florestal e à concessão de crédito rural aos fazendeiros, a população desconhece fatores cruciais para o entendimento desta parte da legislação ambiental brasileira. Em seu artigo intitulado Crédito Rural e Código Florestal: Irmãos como Caim e Abel?, Alexandre Igari, pesquisador e professor na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, em conjunto com professora e pesquisadora do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências Vânia Pivello, busca uma maior compreensão e esclarecimento das incoerências contidas nessas leis desde o início de sua vigência.
A lei do Crédito Rural (CR) e o Novo Código Florestal (NCF) nasceram em 1965, com o objetivo comum de incrementar a produtividade agropecuária. Em uma análise mais aprofundada, o NCF (lei federal 4771-65) constituiu-se como o principal instrumento legal para a conservação de formações de vegetação nativa em propriedades particulares. A lei estabeleceu parâmetros inovadores para a conservação de vegetação nativa nas fazendas brasileiras, como, por exemplo, a obrigatoriedade da manutenção de Áreas de Preservação Permanente (APP) - regiões responsáveis por proteger faixas de vegetação nativa ao longo dos cursos d’água, nos topos de morros, dentre outros - dentro das propriedades rurais. O CR, por outro lado, foi criado com o intuito de reduzir os custos e ampliar a oferta de crédito à agropecuária no país, em um momento em que os produtos agrícolas de exportação, como o café, o açúcar, o algodão e o cacau, apresentavam fraco desempenho em função de queda dos preços internacionais. Apesar de, a princípio, parecerem leis com objetivos opostos (o do NCF de preservar o meio ambiente e o do CR de estimular o uso da terra pelo agronegócio), elas deveriam agir em complementaridade no aumento da produtividade agropecuária. O NCF conservaria os serviços ecossistêmicos (controle de erosão, conservação de recursos hídricos e de nutrientes nos solos) e o CR financiaria a tecnificação da agropecuária.
“Me chamou a atenção que as duas leis foram criadas quase simultaneamente em 1965”, explica Alexandre, “mas uma contradiz com o que manda a outra. Veja bem: para que um fazendeiro possa receber o CR, não é exigido dele o cumprimento dos parâmetros propostos pelo NCF!”. Em outras palavras, o Artigo 37 da lei de Crédito Rural afirma que A concessão do crédito rural em todas as suas modalidades, bem como a constituição das suas garantias, pelas instituições de crédito, públicas e privadas, independerá da exibição de comprovante de cumprimento de obrigações fiscais ou da previdência social, ou declaração de bens ou certidão negativa de multas por infrigência do Código Florestal. Dessa forma, o NCF é colocado em uma posição delicada: deve ser respeitado como lei que é, porém seu cumprimento não é exigido para o financiamento das atividades para as quais ele estabelece regramento legal.
“Essa contradição do congresso me motivou a pesquisar mais sobre o assunto e entender mais sobre as duas leis”, comenta Alexandre. Para a sua pesquisa, foram necessários alguns meses de acesso a exemplares de jornais da época e ao arquivo diário, registrado na Câmara dos Deputados, onde estariam todos os dados relativos à proposição e aos trâmites envolvidos para o estabelecimento tanto do NCF quanto do CR. O resultado, então, foi de notável relevância. Apesar da aparente inconstitucionalidade da contradição entre as duas leis, as exatas palavras do deputado Ulysses Guimarães em um depoimento da época diziam: “Não é papel do Banco do Brasil fiscalizar a ação das fazendas. Os órgãos próprios para essa fiscalização que façam isso com seus próprios recursos”. O depoimento do deputado surpreendeu o pesquisador. “É praticamente como se lavassem as mãos para o caso, principalmente se tratando de uma figura emblemática”, afirma.
Casos como este reafirmam a necessidade da população de uma crescente conscientização e educação para a política. O espírito crítico e questionador é essencial para a debate acerca da preservação do meio ambiente e do uso consciente da terra para fins econômicos, para que possamos cada vez mais praticar uma economia sustentável e proveitosa.