ISSN 2359-5191

11/09/2014 - Ano: 47 - Edição Nº: 57 - Meio Ambiente - Instituto de Biociências
Parâmetros do Crédito Rural encontram-se em contraponto aos requerimentos do Código Florestal
Detalhes do processo de proposição das duas leis revelam que suas diretrizes são bastante conflitantes

Apesar de todas as polêmicas sobre as reformas no Código Florestal e à concessão de crédito rural aos fazendeiros, a população desconhece fatores cruciais para o entendimento desta parte da legislação ambiental brasileira. Em seu artigo intitulado Crédito Rural e Código Florestal: Irmãos como Caim e Abel?, Alexandre Igari, pesquisador e professor na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, em conjunto com professora e pesquisadora do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências Vânia Pivello, busca uma maior compreensão e esclarecimento das incoerências contidas nessas leis desde o início de sua vigência.

A lei do Crédito Rural (CR) e o Novo Código Florestal (NCF) nasceram em 1965, com o objetivo comum de incrementar a produtividade agropecuária. Em uma análise mais aprofundada, o NCF (lei federal 4771-65) constituiu-se como o principal instrumento legal para a conservação de formações de vegetação nativa em propriedades particulares. A lei estabeleceu parâmetros inovadores para a conservação de vegetação nativa nas fazendas brasileiras, como, por exemplo, a obrigatoriedade da manutenção de Áreas de Preservação Permanente (APP) - regiões responsáveis por proteger faixas de vegetação nativa ao longo dos cursos d’água, nos topos de morros, dentre outros - dentro das propriedades rurais. O CR, por outro lado, foi criado com o intuito de reduzir os custos e ampliar a oferta de crédito à agropecuária no país, em um momento em que os produtos agrícolas de exportação, como o café, o açúcar, o algodão e o cacau, apresentavam fraco desempenho em função de queda dos preços internacionais. Apesar de, a princípio, parecerem leis com objetivos opostos (o do NCF de preservar o meio ambiente e o do CR de estimular o uso da terra pelo agronegócio), elas deveriam agir em complementaridade no aumento da produtividade agropecuária. O NCF conservaria os serviços ecossistêmicos (controle de erosão, conservação de recursos hídricos e de nutrientes nos solos) e o CR financiaria a tecnificação da agropecuária.

“Me chamou a atenção que as duas leis foram criadas quase simultaneamente em 1965”, explica Alexandre, “mas uma contradiz com o que manda a outra. Veja bem: para que um fazendeiro possa receber o CR, não é exigido dele o cumprimento dos parâmetros propostos pelo NCF!”. Em outras palavras, o Artigo 37 da lei de Crédito Rural afirma que A concessão do crédito rural em todas as suas modalidades, bem como a constituição das suas garantias, pelas instituições de crédito, públicas e privadas, independerá da exibição de comprovante de cumprimento de obrigações fiscais ou da previdência social, ou declaração de bens ou certidão negativa de multas por infrigência do Código Florestal. Dessa forma, o NCF é colocado em uma posição delicada: deve ser respeitado como lei que é, porém seu cumprimento não é exigido para o financiamento das atividades para as quais ele estabelece regramento legal.

“Essa contradição do congresso me motivou a pesquisar mais sobre o assunto e entender mais sobre as duas leis”, comenta Alexandre. Para a sua pesquisa, foram necessários alguns meses de acesso a exemplares de jornais da época e ao arquivo diário, registrado na Câmara dos Deputados, onde estariam todos os dados relativos à proposição e aos trâmites envolvidos para o estabelecimento tanto do NCF quanto do CR. O resultado, então, foi de notável relevância. Apesar da aparente inconstitucionalidade da contradição entre as duas leis, as exatas palavras do deputado Ulysses Guimarães em um depoimento da época diziam: “Não é papel do Banco do Brasil fiscalizar a ação das fazendas. Os órgãos próprios para essa fiscalização que façam isso com seus próprios recursos”. O depoimento do deputado surpreendeu o pesquisador. “É praticamente como se lavassem as mãos para o caso, principalmente se tratando de uma figura emblemática”, afirma.

Casos como este reafirmam a necessidade da população de uma crescente conscientização e educação para a política. O espírito crítico e questionador é essencial para a debate acerca da preservação do meio ambiente e do uso consciente da terra para fins econômicos, para que possamos cada vez mais praticar uma economia sustentável e proveitosa.

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