Os conceitos e os princípios éticos de igualdade e equidade têm evoluído historicamente, buscando sempre alcançar o ideal da plena dignidade humana. Guiada por tais princípios, a Constituição Federal do Brasil (1988) adotou a Justiça Social como ditame (Art. 170) e como objetivo (Art. 193) do Estado, referentes, respectivamente, à ordem social e econômica. Conforme mostra Maria do Socorro da Silva em sua dissertação de Mestrado, defendida na Faculdade de Direito da USP, uma das metas da Justiça Social é diminuir as desigualdades sociais e econômicas, identificando os grupos vulneráveis na sociedade, vítimas da desigualdade e da injustiça social e promover políticas públicas que visem à igualdade e à equidade. Em sua investigação científica, identifica a população negra como grupo social historicamente vulnerável e vê, nas ações afirmativas, uma das políticas públicas mais eficazes no combate à desigualdade e à injustiça social.
A situação degradante a que ainda é submetida a raça negra no Brasil estende-se do período da escravatura até nossos dias. A escravidão, ao desumanizar os negros, promoveu a ideologia de inferioridade desse grupo social, base do racismo no Brasil; a Lei Áurea aboliu a escravatura e estabeleceu a igualdade formal, mas não possibilitou ao negro sua inclusão na sociedade como cidadão igual ao branco, continuando assim a discriminação e o racismo; surge, então, no início do século XX, a ideologia do branqueamento, sugerindo que a população brasileira devesse embranquecer para “melhorar” a raça; já a ideologia da democracia racial, por volta de 1930, alardeava serem as relações raciais no Brasil amistosas e cordiais, o que foi contestado pela Frente Negra e por estudos da Unesco na década de 50.
Por fim, a pesquisadora, com base em estudos estatísticos, mostra que a desigualdade racial no Brasil persiste até nossos dias, configurando-se como um problema gravíssimo de Direitos Humanos e de justiça social; que a pobreza atinge toda a população brasileira, mas os negros estão entre os mais pobres por causa da discriminação racial.
Com tais dados, Maria do Socorro da Silva procura mostrar que as políticas macro-sociais ou universalistas não têm sido eficazes para promover a igualdade racial, propondo então políticas focais (as ações afirmativas), como instrumento mais eficiente para complementar as políticas públicas universalistas. Entre as modalidades de ações afirmativas, cita as cotas raciais para ingresso nas universidades públicas – hoje amplamente adotadas nas federais de todo o país e também em algumas estaduais –; além deste tipo, Maria do Socorro apresenta, como exemplos de ações afirmativas, o sistema de bônus, de bolsas, os cursinhos, todos procurando estabelecer uma compensação pela desigualdade de que sempre foi vítima essa parcela da população brasileira.
Portanto, conforme mostra a pesquisadora, ações afirmativas são políticas públicas que visam à compensação pelo tratamento desigual de que sempre foi vítima esse grupo social (a raça negra), bem como à maior equidade nas oportunidades (de educação, de trabalho, de saúde), tendo sempre como foco os menos favorecidos.
Há, entretanto, pessoas que defendem a ideia de que as ações afirmativas sejam inconstitucionais, por ferirem o princípio da igualdade de todos perante a lei. Porém, conforme mostra Maria do Socorro em sua pesquisa, a própria constituição impulsiona a busca da igualdade material, o que por si só já justificaria a política das ações afirmativas.
Analisando especificamente o sistema de cotas já adotado para o ingresso às Instituições Públicas de Ensino Superior (Ipes), a pesquisadora justifica essa ação afirmativa mostrando que “os que são melhor aquinhoados têm uma educação de melhor qualidade” e, para garantir a igualdade no acesso à universidade pública, são necessárias tais medidas compensatórias para os mais pobres (os estudantes da escola pública e, em particular, a população negra). “Acredito que as cotas raciais – complementa ela – combinadas com critérios econômicos sejam mais justas, pois têm mais acuraria com o grupo mais desfavorecido: os negros pobres”.
Maria do Socorro ainda apresenta dados mostrando que os cotistas têm obtido, na sua formação universitária, resultados semelhantes aos dos estudantes não cotistas, o que comprova a validade de se tomarem estas e outras ações afirmativas como instrumentos eficientes e complementares de políticas públicas universalistas, de tal forma que, cada vez mais, possamos diminuir as desigualdades sociais e econômicas de nosso país, cumprindo assim o ditame e o objetivo de Justiça Social, preconizados pela Constituição Federal do Brasil.