ISSN 2359-5191

11/04/2001 - Ano: 34 - Edição Nº: 03 - Ciência e Tecnologia - Instituto de Biociências
Projeto pesquisa a evolução de peixes em cavernas

São Paulo (AUN - USP) - Determinar as características que possibilitam a adaptação de peixes em cavernas e a maneira como elas são adquiridas; este é um dos desafios do projeto realizado pelo Laboratório de Fauna de Cavernas do Instituto de Biociências da USP. Além de ajudar no entendimento do processo evolutivo dos animais em geral, a pesquisa, que deve terminar o fim deste ano, permitirá a obtenção de importantes informações sobre as características climáticas e de relevo do país no passado.

O Brasil é considerado o segundo país em riqueza de peixes que vivem em cavernas, perdendo somente para a China. "Temos um potencial muito grande", diz Maria Elina Bichuette, um das responsáveis pelo projeto. "Novas cavernas são descobertas todo mês, e já foram identificadas treze espécies de peixes que existem somente aqui". No entanto, grande parte desse potencial natural não é aproveitado, por falta de recursos e pesquisadores - o grupo de pesquisadores do Instituto de Biociências é o único do Brasil a trabalhar com peixes de cavernas.

De acordo com a pesquisadora, uma cooperação com a Universidade de Hamburgo, na Alemanha, serviu justamente para suprir essas deficiências. Assim, a maior parte do trabalho de laboratório é realizada pelos pesquisadores alemães, que têm experiência e os recursos necessários para a análise biomolecular dos espécimes. O Brasil entra com o trabalho de campo – observações diretas do comportamento através de mergulho livre e coletas para obtenção de exemplares para estudo em laboratório.

A coleta de dados ocorre basicamente em cavernas da região de São Domingos, no nordeste de Goiás, em que há grande ocorrência de bagres neotropicais, objeto de estudo do projeto. Pelo método de marcação e recaptura, são observados o tamanho das populações, o comportamento no ambiente natural, deslocamento, crescimento e engorda. Em seguida, são procurados indivíduos de uma espécie diferente, que viva em ambientes externos, mas que possua um ancestral em comum com os peixes cavernícolas. A partir da comparação das espécies (chamadas de grupos irmãos), é possível determinar quais foram as características que possibilitaram a adaptação desses peixes ao ambiente subterrâneo, obtendo informações importantes sobre o processo evolutivo.

Como dentro das cavernas há total ausência de luz, os animais precisam de características especiais que permitam a sua sobrevivência nesse ambiente. Em geral, os peixes tem olhos pouco desenvolvidos e ausência de pigmentação da pele. Para a localização de alimentos e parceiros, possuem receptores químicos, mecânicos e elétricos, que substituem a visão. "Grande parte desses peixes já são dotados, antes de começarem a viver em cavernas, de pré-adaptações que facilitaram a colonização do novo habitat, como hábitos noturnos e presença de receptores", afirma Maria Elina. O desafio, para os pesquisadores, é distinguir, nesses peixes, entre as características pré-existentes e os estados de caráter adquiridos após os isolamento. A existência de populações inteiras de animais totalmente desprovidos de olhos e pigmentação (caracteres únicos, que só existem nos animais que vivem em cavernas) leva à discussão das respostas evolutivas a pressões seletivas, ou à ausência dessas pressões – "já que ter ou não olhos, por exemplo, seria indiferente num ambiente totalmente escuro", diz a pesquisadora.

O projeto encontra-se no estágio final, e seus resultados devem ser de grande importância também para outras áreas da ciência. Pesquisas realizadas em cavernas localizadas em Toca do Gonçalo, norte da Bahia e, ao mesmo tempo, em riachos do sudeste do Brasil, mostraram a ocorrência de espécies irmãs nos dois habitats. Separadas por quilômetros de terra seca, os peixes encontrados na Bahia e em São Paulo tem um ancestral comum. Uma das hipóteses geológicas para explicar o fato é de que, no passado, existisse um corredor de mata úmida entre os dois pontos, pelo qual os peixes se deslocassem livremente. Como o tempo, o local teria passado por um período de seca e, com isso, ocorreria o isolamento e diferenciação das populações. Segundo Maria Elina, exemplos como esse mostram que as aplicações do projeto são inúmeras. A partir da observação do processo histórico ocorrido com os animais, é possível obter informações sobre a história do terreno, suas características climáticas e de relevo. "Com a pesquisa que estamos desenvolvendo, são abertas muitas possibilidade, tanto no campo da biologia, quanto no da geologia e geografia".

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