Grandes indústrias, principalmente as voltadas para a exportação, recentemente têm trabalhado e organizado a sua produção a partir do conceito cradle to cradle, ou seja, “do berço ao berço”. Esse novo sistema produtivo baseia-se na ideia de que todo produto industrial deve ser pensado, ainda na fase de concepção, de maneira sustentável, para que haja o mínimo de desperdício ao final do processo. Dessa forma, a proposta é que o resíduo industrial gerado na fabricação de determinado produto possa ser reaproveitado ou utilizado como matéria-prima para a fabricação de outros produtos.
Segundo Dione Morita, professora do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Poli (USP) e pesquisadora da área, isso se deve porque os conceitos de “ecologia industrial” e “sustentabilidade” amadureceram muito ao longo dos últimos anos, tanto na sociedade quanto dentro da própria indústria. Há cerca de 20 anos, quando se pensava em resíduos industriais a solução era simples: despejar em aterros, lançar em corpos d’água ou queimar para que volatizassem (transformar em gás). Por muito tempo investiu-se em tecnologias que só transferiam o problema, uma vez que a visão da época era imediatista, sem grandes preocupações com a contaminação e as gerações futuras. Porém, as consequências daquele tempo se refletem hoje, por meio de numerosos casos de câncer e outras doenças mutagênicas. Assim, a preocupação com a origem da poluição aumentou, e fez com que a antiga visão de “controle” se transformasse em uma perspectiva de “prevenção”.
O novo sistema produtivo, portanto, compreende diversos benefícios. Além de reduzir a contaminação ambiental, ele é também uma forma de otimizar o processo industrial. “O resíduo é nada mais do que uma ineficiência do processo, um desperdício”, ressalta Dione. “Então, se você não produz, minimiza ou reutiliza, na verdade você está melhorando o seu processo”. Por consequência, a produtividade e o lucro tendem a aumentar, o que atrai grande parte das indústrias a implementar esse sistema. É o caso das empresas Votorantim Celulose e Papel, 3M, Natura, Usiminas (antiga Cosipa) e Pilkington, exemplifica a pesquisadora.
Um outro método possível de prevenção, que já é adotado hoje, consiste em tornar um resíduo industrial menos tóxico. Há resíduos que contém metais pesados, plastificantes, pesticidas organoclorados e nitrocompostos. Além de perigosos, esses poluentes demoram, em média, de 10 a 20 anos para degradar, ou até mais, dependendo do material. Assim, o tratamento para descontaminação, seja do solo ou da água, torna-se um processo caro e demorado. No caso do solo, o problema é ainda maior, pois há algumas técnicas (como oxidação química ou processos térmicos) que, apesar de eficientes, destroem a sua biota (conjunto de seres vivos de um ecossistema), tornando-o improdutivo. Dessa forma, ainda que lentas, as técnicas mais naturais são recomendadas, como a biodegradação.
Não obstante a crescente preocupação com a prevenção da poluição, medidas para efetuar o seu controle ainda são necessárias. Hoje, o número de áreas contaminadas no Estado de São Paulo está em cerca de cinco mil, segundo dados da Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental), mas ele continua a aumentar a cada ano, mesmo com a fiscalização das agências ambientais. “O que falta ainda é uma modernização nas tecnologias ou técnicas de fiscalização”, esclarece Dione. “Hoje existem recursos como satélites específicos para monitoramento ambiental, tecnologias de controle em tempo real, e nada disso é utilizado”.
Outro obstáculo para as agências ambientais, revela a pesquisadora, é a própria legislação: “No Estado de São Paulo há uma obrigatoriedade do lançamento de águas residuárias industriais na rede pública de esgoto”. O problema, explica ela, é que uma estação de tratamento de esgoto, projetada para tratar de matérias orgânicas facilmente biodegradáveis, não tem estrutura adequada para eliminar os poluentes provenientes de resíduos industriais. “Então, ou eles passam direto, ou ocasionam problemas na estação e no lodo, ou volatilizam, uma vez que não são removidos. O ideal, na verdade, não seria nem realizar um pré-tratamento para esses poluentes, mas um tratamento isolado, justamente por eles serem perigosos”, aponta Dione. Assim, a lei – que na época parecia vantajosa, já que os órgãos ambientais só precisariam fiscalizar a estação de tratamento e as indústrias não teriam de arcar com a eliminação de seus resíduos – mostra-se hoje ineficiente, e necessita ser repensada ou readequada, afirma Dione.
Ainda segundo a pesquisadora, o que também se faz necessário são maneiras mais adequadas de informar a população acerca de questões ambientais. “É importante que a mídia consiga transmitir esses problemas ambientais de uma forma técnica, e não alarmista. Mudanças são possíveis, desde que a população compreenda e, assim, tenha um engajamento grande. O cidadão é peça fundamental para a melhoria”, defende Dione. Afinal, “a consciência em termos ambientais já progrediu muito nos últimos anos, mas isso só não basta. É preciso passar da consciência para a ação, o que é um passo grande, mas essencial.”