Os mercados de jogos eletrônicos e de serviços têm crescido em ritmo acelerado nos últimos anos. Com o advento da internet, excluiu-se do sistema produtivo a cadeia de distribuição, o que promoveu vantagens como a diminuição do preço para o usuário final e o aumento da acessibilidade, resultando na conquista de novos consumidores. Porém, a nova lógica que foi imposta à indústria de games exigiu dela algumas alterações significativas nos processos de comercialização e interação com o jogador, e também trouxe como consequência a erosão do lucro causada pela evasão de usuários. A fim de investigar essas mudanças e propor uma solução eficiente para o problema apontado, um estudo foi realizado pelo pesquisador Emiliano Gonçalves de Castro no Departamento de Engenharia de Controle e Automação Mecânica da Poli (USP).
Segundo Castro, a evasão de usuários em jogos online é fruto dessa nova lógica comercial. “Hoje, a informação é tão abundante no meio digital que torna extremamente difícil conseguir a atenção de qualquer indivíduo, não só para a área de jogos como qualquer outra”, explica. Assim, os desenvolvedores precisam criar estratégias que estimulem ao máximo a permanência de um usuário, principalmente se ele começa a apresentar alguns sinais de abandono. “Empresas de telefonia celular, por exemplo, utilizam uma abordagem reativa: se o consumidor liga com a intenção de cancelar a assinatura, elas oferecem descontos ou outros benefícios para incentivá-lo a desistir do cancelamento. No caso das empresas de games, esse método já não funciona, pois um jogador não avisa previamente quando vai parar de jogar”, esclarece o pesquisador.
A única opção para as publicadoras de games, dessa forma, é tentar prever quais usuários irão abandonar o jogo, ao invés de se preocupar com aqueles que já pararam definitivamente de jogar, e assim tomar providências sobre esse grupo com antecedência. “Um estímulo eficiente para a permanência do jogador pode ser um bônus ou um desconto, por exemplo", afirma o pesquisador. "Porém, aplicar esse benefício a todos os usuários, inclusive àqueles que não vão abandonar, além de inviável é desnecessário. Assim, a dissociação entre os jogadores torna-se necessária, e a modelagem preditiva é o mecanismo ideal para isso.”
Modelo preditivo, portanto, é uma ferramenta matemática da área de inteligência artificial que serve para analisar um volume muito grande de dados ou informações, e com base neles identificar padrões para fazer previsões de comportamento. Como toda estimativa, no entanto, ela não é 100% precisa, mas ainda que haja uma margem de erro considerável, a modelagem representa um ganho para a empresa relevante. No caso específico dos jogos online, porém, há uma dificuldade: grande parte das variáveis, necessárias para estabelecer os padrões, mudam de um jogo para outro e, portanto, são ineficientes na análise de jogos diferentes. Castro optou, dessa forma, por incluir na sua análise apenas informações dos usuários que fossem comuns a todos os jogos, que são os dados relativos à frequência de acesso.
“As ferramentas mais tradicionais para análise de padrões são as baseadas em RFM (recência - ou seja, o quão recente foi o acesso -, frequência e valor monetário). Porém, saber apenas a última vez e o número de vezes que o jogador acessou determinado jogo não é suficiente para identificar um padrão de risco de evasão. Para isso, é necessário saber também a frequência de acesso em relação ao tempo”, explica o pesquisador. Então, ao considerar que o número de variáveis disponíveis é pequeno, o objetivo é extrair delas o máximo de informações possível. Castro analisou, portanto, não apenas o último acesso, mas todas as vezes que o usuário entrou no jogo. “Se os acessos começam frequentes e vão espaçando, significa que o usuário está abandonando o jogo. Se ocorre o contrário, os acessos começam escassos e aumentam com o tempo, então significa que ele está gostando.”
No que concerne à metodologia utilizada, Castro descreve que o primeiro passo foi coletar informações de acesso, ou seja, descobrir o horário e dia exatos em que cada jogador entrou no jogo, todas as vezes que ele entrou. O segundo passo foi pegar essa “lista” de horários e processá-la, utilizando uma ferramenta da engenharia de processamento de sinais chamada Transformada Discreta de Wavelet. “Wavelet é, basicamente, uma forma de sintetizar a informação, ou seja, compactar algo que é bastante detalhado para que fique mais simples, ainda que com algumas perdas pouco significativas”, explica. Em uma máquina de modelo preditivo, portanto, a informação muito detalhada necessita de muitas variáveis, o que aumenta a dificuldade em encontrar padrões. O terceiro e último passo do estudo foi treinar a máquina de modelagem para que ela fosse capaz de identificar e diferenciar as características dos jogadores que deixaram ou não o jogo. Assim, ao analisar jogadores novos, a máquina encontraria um padrão neles e, utilizando uma técnica conhecida como “vizinhos mais próximos” – que funciona através da associação de padrões semelhantes – estimaria quais deles são potênciais usuários de risco e quais não são.
Castro aponta que, ao final do processo, a máquina foi capaz de identificar corretamente a maioria dos jogadores pertencentes ao grupo de risco de evasão, o que demonstra uma boa eficiência do sistema desenvolvido. Outra vantagem é que o modelo preditivo, por ser bastante flexível, pode ser usado com eficiência em muitas outras áreas além da indústria de games. Alguns exemplos são o telemarketing, e-commerce (comércio eletrônico) ou até mesmo processos seletivos dentro de empresas. “Uma vez que a modelagem serve para aumentar o faturamento ou diminuir as despesas de uma empresa, sem necessitar de grandes investimentos, ela atrai o interesse de praticamente qualquer organização, em qualquer setor”.