Um dos maiores obstáculos na recuperação de pacientes cardíacos através do treinamento físico é a aderência, visto que as pessoas que infartam geralmente tem um histórico de sedentarismo, que dificilmente é alterado de forma permanente. Mas um estudo realizado na Faculdade de Medicina da USP apresenta uma solução para essa questão. O fisiologista Cesar Cavinato Cal Abad, sob orientação da professora Maria Cláudia Irigoyen, comparou dois tipos de treinamento físico no processo de reabilitação cardíaca pós infarto do miocárdio. Um treinamento contínuo (ou seja, sem variação de intensidade) e outro intervalado de alta intensidade (com intensidade variável), para verificar a diferença entre eles.
“O histórico do paciente é de não fazer atividade física, então o mais difícil é convencer a pessoa a mudar os hábitos que ela teve a vida toda, por causa da doença. A grande dificuldade é fazer essa pessoa se engajar em um programa de pelo menos três vezes por semana, para o resto de sua vida. O maior motivo que elas alegam é falta de tempo, e a solução é reduzir o tempo e aumentar a intensidade dos treinos.” afirma Cesar. “Embora os riscos durante a atividade sejam um pouco maiores no treinamento mais intenso, desde que haja monitormamento e controle do trabalho cardíaco em ambiente hospitalar, o treinamento passa a ser bastante efetivo. No entanto, como o paciente treina por menos tempo, ele se motiva mais pra fazer o exercício e tende a aderir mais ao treinamento físico como ferramenta não medicamentosa de reabilitação cardíaca. Nesse aspecto, o treino intervalado de alta intensidade tem se mostrado mais vantajoso.” continua o fisiologista.
No estudo realizado em camundongos infartados, a comparação dos dois tipos de treinamento mostrou resultados semelhantes para as variáveis investigadas, porém o exercício de maior intensidade apresentou uma pequena vantagem. “Os dois conseguiram recuperar parte das funções cardíacas, no entanto, o que a gente percebeu foi que o exercício de alta intensidade tem algumas vantagens adicionais que o moderado não tem. Por exemplo, o moderado quase não altera os níveis de colesterol “bom”. Mas o mesmo é capaz de ser aumentado através de exercícios mais intensos. Então isso acaba sendo um fator de proteção adicional do coração já que os lipídios circulantes podem ser um fator de risco para desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Nesse aspecto, tanto para a pessoa que não tem doença cardiovascular e pretende se prevenir, o treinamento um pouco mais intenso parece ser mais vantajoso.” diz Cesar.
Relação entre as doenças cardiovasculares e o infarto do miocárdio
As doenças cardíacas são hoje as que mais levam a óbito. E dentre elas, o infarto do miocárdio é o que tem maior prevalência. Normalmente, alguns fatores de risco contribuem para o desenvolvimento dessas doenças, e uma delas é a dislipidemia - quando os níveis normais de gordura no sangue ficam desregulados (por exemplo, o nível de colesterol “bom” abaixa e o “mau” aumenta) - Se a dislipedemia for associada a outros fatores de riscos importantes, como diabetes, obesidade e pressão alta, as chances de desencadear uma doença cardíaca aumentam. Basicamente, a dislipedemia pode ocasionar uma doença arterial coronariana.
Quando essa doença atinge a artéria coronária, causa falta de oxigenação no coração e desencadeia o infarto do miocárdio. “No coração infartado, sem oxigênio, existem diferentes níveis. Se for uma artéria pequena, vai faltar um pouco de oxigênio, o músculo morre mas o coração não para. Se for uma região cardíaca muito grande, a pessoa entra em parada cardiorrespiratória e precisa ser feito um procedimento urgente para ele não vir a óbito. Se for uma região intermediaria, ele vai ter vários fatores limitadores, precisando de um processo de reabilitação posterior pra deixar esse coração o menos prejudicado possível. E é aqui que o exercício físico entra como fator importante.” afirma Cesar.
O treinamento físico é, então, importante para a recuperação dessas funções cardíacas que são perdidas após um infarto. Se não houver um processo de reabilitação, o coração começa a ter disfunções, aumentando de tamanho, bombeando menos sangue, o que pode acarretar mais doenças cardiovasculares, culminando com a insuficiência cardíaca, por exemplo, que é a incapacidade de o coração bombear sangue corretamente para todos os tecidos. O exercício físico é uma forma não medicamentosa, acessível e barata, para evitar esses problemas; qualquer esforço do dia-a-dia já pode ajudar na prevenção dessas enfermidades. Mas, vale lembrar que uma avaliação clínica e um teste de esforço são importantes antes da prescrição de exercício para esses pacientes.