A USP vive um momento delicado e problemático, de esgotamento de um modelo de gestão. É o que afirmou o professor Vladimir Safatle (FFLCH) no debate sobre a estrutura de poder na USP, que aconteceu no dia 13 de outubro, segunda-feira, no auditório da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP). Os professores Eugênio Bucci (ECA) e Virgilio Afonso da Silva (SanFran) também estiveram presentes, e foram debatidas extensamente questões como a eleição de dirigentes, a falta de transparência e representatividade da gestão reitoral e as consecutivas greves que têm acontecido na universidade nos últimos anos.
A discussão foi parte de uma série de atividades organizadas pela Comissão FAU de Revisão da Estrutura de Poder na USP, formada por professores e funcionários da unidade. Quem iniciou a conversa foi o professor Safatle, que considera a atual hierarquia administrativa da universidade pouco representativa e antidemocrática: “o CO [Conselho Universitário] não tem transparência, não é eleito pela comunidade universitária [e sim por] uma instância que não tem qualquer relação com a vida acadêmica (o governador)”.
Isto, ainda de acordo com ele, causa a sensação de que o reitor não é um representante da universidade perante o governo estadual, mas do governo estadual perante a universidade. Seria mais fácil enfrentar os diversos problemas que a USP vive hoje se houvesse legitimidade de representação dos dirigentes, o professor acredita, e critica: “Todos os setores [da universidade] são acusados de não dialogarem, mas não há sequer espaço [formal] para esse diálogo acontecer”.
O professor Bucci concorda que há falta de transparência na administração. Ele mencionou, como “retrato mais acabado” desta situação, o rombo de 20% do orçamento deixado nas contas da USP pela gestão Rodas. “Como isso pode acontecer nesta universidade?”, questiona. Ele considera que o problema da universidade é um problema de gestão, e que a discussão que precisa ser feita é uma discussão de “qualidade de gestão”, pois a autonomia da USP depende da sua capacidade (e isso envolve toda a comunidade universitária) de “andar com as próprias pernas” - ou seja, resolver seus próprios problemas.
Apesar disso, Bucci saiu em defesa da atual gestão - de Marco Antonio Zago. Ele mencionou a intenção do reitor de reformar o estatuto da USP, discussão que está ocorrendo timidamente no Conselho Universitário. “Temos que nos dar conta dos esforços de transparência [da atual gestão]”, ele disse. Ele não negou que a reitoria tenha falhado no diálogo com trabalhadores e estudantes, mas “ao menos uma iniciativa para democratizar a universidade partiu da reitoria” e, para ele, é preciso levar isso em conta.
Safatle, no entanto, questionou se é realmente razoável esperar que uma mudança estrutural na gestão da universidade parta de um órgão como o CO, que abriga uma “casta de tecnocratas”, segundo ele, a quem tal mudança não interessa de fato. “É difícil outorgar que pessoas que estavam envolvidas no problema o resolvam agora”, ele falou. “O Zago fazia parte da gestão anterior [de Rodas] e não sabia de um rombo de um bilhão [nas contas da universidade]?”.
Para o professor Virgílio, a USP precisa de uma solução pontual para o problema atual de gestão e estrutura de poder. Ele também acha que a falta de transparência é um problema até maior que a eleição dos dirigentes, porque “ninguém sabe para onde vai o dinheiro [da universidade]” - que é muito. Ele considera o CO bastante problemático porque composto em grande parte por professores escolhidos pelo próprio reitor, de modo que eles estão fortemente propensos a avalizarem tudo o que o dirigente propuser. Esta situação, aliás, se estende à própria eleição reitoral: “o candidato a reitor ganha na [votação da] universidade mas ainda tem que ganhar com o governador”.
Segundo ele, a universidade precisa ser absolutamente independente, não apenas no orçamento, mas também na administração. E isso passa pela escolha de seus dirigentes sem intervenção do governo estadual. “A forma de eleição do reitor, seja qual for, tem que ser autônoma”, ele disse, completando: “A gente tem que ser responsável pela nossa excelência, a gente tem que ser responsável pela nossa miséria”.