Ao complementar os ensinamentos técnico-pedagógicos fornecidos pela experiência acadêmica, a formação crítica ajuda o indivíduo a compreender a sociedade que o cerca e suas instituições. Nisto consensuaram todos os presentes em debate sobre “Formação e Crítica na Universidade”, organizado pelo Grêmio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (GFAU) no último dia 22 de outubro, inaugurando um ciclo de conversas sobre a formação na universidade.
Para discutir o assunto, quatro convidados estiveram no “piso do museu”, espaço comunitário no primeiro andar da FAU: Alexandre Delijaicov, professor da faculdade, Gabriella de Biaggi, membro do Grêmio, Sophia Telles, historiadora da arquitetura e ex-professora da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, e Rafael Urano, arquiteto formado pela USP.
Durante pouco mais de uma hora, todos os participantes expuseram seus pontos de vista sobre o papel da universidade no presente e as condições de trabalho na área arquitetônica, tendo em vista a necessidade sociopolítica do pensamento crítico e o papel da arte e da filosofia neste processo. O GFAU ressaltou a importância do debate em um “ano importante” para a faculdade.
Reforma universitária
Urano e Telles, que não mais frequentam habitualmente o edifício-sede da FAU, surpreenderam-se com a ampla reforma atualmente realizada no prédio. Após uma série de incidentes nos últimos anos que prejudicaram a estrutura do local - mais recentemente, um princípio de incêndio no último mês de maio - diferentes espaços da faculdade foram interditados ou passaram por manutenções. Hoje, o andar térreo do prédio está irreconhecível devido à presença de andaimes, que geram discussões.
O ex-aluno considerou a obra “descuidada e descaracterizante”, uma vez que o prédio da FAU, finalizado em 1969 e desenhado pelo arquiteto modernista Villanova Artigas (1915-1985), serve como objeto de estudo aos que nele estudam. Para o aluno compreender esta situação de maneira crítica, concluiu Urano, é necessária uma “formação livre” e um “pensamento livre de contingência”, aspectos preteridos pelo “caráter profissionalizante do curso de arquitetura”.
A dificuldade da discussão política cotidiana, passando pela “desconstrução das autoridades” e a compreensão da relação entre instituição e indivíduo, foi ressaltada por de Biaggi, que enxerga o diploma como “objetivo formal” da universidade contemporânea e obstáculo para o pensamento acadêmico crítico. A aluna também lembrou discussões políticas recentes na USP, como greves e a presença da Polícia Militar no campus Butantã, considerando-os “momentos de formação e questionamento” que envolveram todas as categorias da universidade.
História e arte na formação crítica
Ambos os professores acadêmicos presentes no evento citaram a importância da compreensão histórica, bem como da prática artística, para o exercício crítico. Segundo Delijaicov, todos os profissionais deveriam estudar filosofia e arte durante a formação, o que fortaleceria o “saudável pêndulo entre crítica e ação”. O professor do Departamento de Projeto da FAU vê a consciência política como consequência da formação de personalidade e mentalidade do indivíduo, evocando pensadores como Hannah Arendt (1906-1975) e Paulo Freire (1921-1997) para endossar a importância didático-pedagógica no aperfeiçoamento desse processo.
Telles, por sua vez, lembrou que “fazemos política todo dia”. Defendeu, no entanto, que o estudo da história é pouco difundido e prejudica o livre pensamento. “Temos que parar um pouco para ver se entendemos o que estamos falando”, disse. Por fim, ressaltou que a arte não possui função, mas funciona como “um soco no estômago” que nos faz mudar criticamente o pensamento. E, considerando que vivemos um momento de “brigas políticas generalizadas”, concluiu: “é preciso ter menos medo de conhecer, de estudar”. E, se necessário, derrubar velhas convicções pelo bem da crítica.