Dentre as dificuldades enfrentadas por grupos estigmatizados na obtenção de uma formação psicanalítica, aquela tida pelos homossexuais foi escolhida pelo psicanalista Lucas Charafeddine Bulamah para ser estudada em sua tese de doutorado. Através de análises sobre as ligações entre prestigiosas instituições da área e os pilares mais moralistas da sociedade durante os últimos 80 anos, o pesquisador procurou entender como essa prática, que começou tão liberal, conseguiu chegar ao ponto de marginalizar e até de dispensar candidatos homossexuais da possibilidade de exercer a profissão.
Em seus primórdios, a psicanálise se estabeleceu de maneira extremamente marginalizada, principalmente por conta dos temas polêmicos, como a sexualidade, que começou a abordar. Sigmund Freud chacoalhou o século 19 e fundou, com seus discípulos, a instituição que serve de norte até hoje para os profissionais da área: a International Psychoanalytical Association (IPA). O surgimento tanto do método quanto dessa associação se relacionam fortemente com o período histórico vivido, durante o qual diversos personagens se destacaram por esforços em tornar menos moralista o discurso vigente. De acordo com o estudo de Bulamah, porém, com a Segunda Guerra Mundial muitos desses avanços liberais foram deixados de lado, e, mais tarde, com a morte de Freud, a IPA pareceu perder seu rumo.
Hoje em dia, a formação de um profissional da área se dá através da filiação do candidato a uma sociedade psicanalítica, sendo que a instituição fundada pelo pai da psicanálise e as que dela são filiadas possuem maior notoriedade. A situação não se compara, no entanto, ao período que sucedeu a morte de Freud, em que somente as associações ligadas à IPA eram consideradas aptas à formação de um psicanalista. O caráter moralista ao extremo que tomava conta dessas organizações fez com que homossexuais fossem excluídos da prática psicanalítica por motivos semelhantes aos que excluem os psicóticos. Esse processo se deu de maneira mais acentuada nos Estados Unidos, onde se encontravam os profissionais mais ostensivamente homofóbicos e conservadores, mas também ao redor do mundo, nos países em que a IPA se fazia presente. Em sua pesquisa, no entanto, Bulamah percebeu a tendência que o quadro tem de melhorar: através das pressões da militância gay norte-americana, o DSM (Manual Estatístico-diagnóstico de Transtornos Mentais) deixou de considerar a homossexualidade como doença, e a situação alarmante dentro da psicanálise está começando a ser discutida de maneira mais aberta. Com cada vez mais profissionais “saindo do armário” e analistas homossexuais ingressando no mercado, o panorama norte-americano parece estar finalmente voltando aos conceitos e análises de Freud, mais liberais. Hoje em dia, inclusive, o país chega a ter transexuais se formando psicanalistas.