Segundo a literatura astronômica, a Via Láctea pode ser estruturada, grosso modo, em três regiões distintas: Uma região central formada por um bojo, um disco achatado com alto movimento global de rotação, onde se verifica a presença de braços espirais que garantem a continuação do processo de formação de estrelas e um halo de estrelas velhas e aglomerados globulares que envolvem as duas outras componentes. Tendo esse modelo, a tese de doutorado de Douglas Augusto de Barros, sob orientação do professor do IAG Jacques Lépine, com o título “Órbitas estelares e evolução secular do disco Galáctico", trata da dinâmica do disco Galáctico aliado aos estudos sobre órbitas estelares, fundado numa compreensão das componentes galácticas existentes. Ou seja, de como a natureza da estrutura espiral interfere no movimento orbital das estrelas do disco, além de suas interações estelares.
Um dos conceitos essenciais para o estudo diz respeito à metalicidade das estrelas, ou seja, à abundância de elementos mais pesados que o hidrogênio e o hélio. Eles podem ser observados a partir do seu espectro, que “fornece uma descrição da composição química do meio interestelar na época do nascimento da estrela. Devido ao fato das estrelas de maiores massas reciclarem seus produtos de volta ao meio interestelar ‘explodindo’ como supernovas, o gás disponível para a formação estelar é enriquecido em metais de uma geração de estrelas para a seguinte”. Dessa forma, por exemplo, uma estrela pobre em metais deve ter nascido antes e consequentemente é mais velha que uma estrela rica em metais. “Esse processo resulta em uma galáxia cujas características estruturais refletem as propriedades espaciais, cinemáticas e químicas como as observadas nas diferentes componentes da Via Láctea”, completa Barros.
A formação e evolução inicial da Via Láctea, assim como de todas as galáxias em geral, possui eventos conhecidos como efeitos seculares de evolução. Segundo Barros, “por efeitos seculares entendem-se eventos que ocorrem em escalas de tempo maiores que os processos rápidos de formação, por exemplo da ordem de vários períodos de rotação da galáxia, o que pode representar vários bilhões de anos”.
Para o estudo específico, a estrututa espiral é caracterizada como um agente de perturbação das órbitas estelares, promovendo a evolução secular interna do disco a partir das trocas de energia e momento angular com as estrelas: “Os efeitos que analisamos não dependem diretamente da real natureza da estrutura espiral, a qual ainda é desconhecida, mas apenas de como a mesma interfere no movimento orbital das estrelas do disco”. Assim, ao analisar os efeitos das interações das estrelas com a perturbação devido à estrutura espiral, Barros explica seu objetivo: “Focamos as nossas análises sobre o comportamento das órbitas estelares perturbadas próximas ao raio de co-rotação [que é o raio galáctico onde as estrelas e o gás do disco rotacionam com a mesma velocidade angular de rotação dos braços espirais] da Galáxia. Por meios de experimentos numéricos de órbitas de partículas-teste simulando estrelas no potencial gravitacional galáctico, analisamos os efeitos de evolução secular induzidos pela perturbação espiral sobre as órbitas estelares”.
Ao final dos experimentos, com diferentes modelos para descrição do potencial da perturbação espiral, foi detectado a formação de um mínimo de densidade estelar localizado no raio de co-rotação da Galáxia. “Considerando determinadas propriedades observadas da Via Láctea, tais como a sua curva de rotação, a qual determina o potencial gravitacional global da Galáxia, pudemos quantificar um decréscimo de densidade estelar na co-rotação de cerca de 30% a 40% da densidade estelar em raios adjacentes à co-rotação, após uma evolução do sistema de cerca de 3 bilhões de anos”, exalta Barros.
Em outras palavras, poderíamos (nós e todo o sistema solar) estar habitando uma região do disco galáctico próxima a um decréscimo local de densidade de matéria. “Realizamos um estudo da distribuição galáctica de aglomerados abertos mais velhos que 1 bilhão de anos (para os quais os efeitos de evolução secular são mais importantes), e de fato detectamos um mínimo na densidade destes objetos em raios galácticos próximos ao raio da órbita solar”. Segundo Barros, essa correção pode ajudar, por exemplo, a diminuir a discrepância que se observa entre a massa do disco estimada a partir do método de contagens de estrelas e a massa dinâmica do disco requerida para explicar a curva de rotação interna observada da Galáxia.