A dificuldade de muitas crianças diante da escola e de suas exigências está relacionada intimamente com a experiência tida por elas em seus primeiros anos de vida. Nesse sentido, o ambiente familiar influencia o desempenho dos estudantes de maneira mais profunda do que se costuma pensar. A capacidade que o primeiro espaço vivenciado pelo bebê tem de proporcionar seu amadurecimento emocional reverbera por anos na vida do sujeito que ali se forma. Em sua tese de doutorado, defendida no Instituto de Psicologia da USP (IP/USP), a professora e psicóloga Marta Regina Alves Pereira procurou entender melhor essas noções. Através de dados oriundos de um caso clínico e dos conceitos psicanalíticos desenvolvidos por Donald Woods Winicott, sua ideia era se aprofundar na área, com a qual trabalha há oito anos e pela qual mantém interesse há mais de 20.
Segundo Winicott, o desenvolvimento de um “si-mesmo” é essencial para que um indivíduo consiga vivenciar o mundo. Essa noção, no entanto, possui nuances que influenciam a presença de comportamentos tidos ou não como saudáveis em sociedade -- e que começam com desempenhos considerados ou não positivos na escola. De acordo com a professora Marta Regina, o “si-mesmo” winicottiano se divide em dois: o falso e o verdadeiro. “Enquanto o verdadeiro si-mesmo se fortalece pela manifestação da espontaneidade pessoal e pelo viver criativo, o falso si-mesmo, na saúde, está relacionado à adaptação da pessoa à vida em sociedade”, explica ela. “O falso si-mesmo adaptativo, educado ou civilizado é necessário para a convivência humana, desde que não ocorram prejuízos muito grandes ao viver criativo e que não haja uma submissão excessiva da pessoa ao mundo externo”.
Os primeiros anos de vida, portanto, têm papel primordial no estabelecimento de um si-mesmo que consiga “equilibrar” bem os seus dois lados. Ainda seguindo as noções introduzidas por Winicott, a psicóloga e professora explica que a aceitação, por parte da mãe, dos primeiros instintos apresentados em comportamentos do bebê influencia diretamente o seu comportamento saudável no futuro. O caso clínico levado em consideração no estudo é o da menina Letícia, de 7 anos. Encaminhada à pesquisadora por sua escola devido ao seu desempenho insatisfatório, a criança passou por um processo de análise individual e conseguiu se integrar melhor às atividades propostas em sala de aula. Durante o tratamento, Marta Regina pôde constatar que muitas das dificuldades apresentadas por Letícia tinham a ver com o quadro de depressão apresentado pela mãe durante sua infância. Através desse caso e de sua tese de doutorado, a professora e psicanalista pôde não só entender melhor a dinâmica do amadurecimento, como também constatar que o tratamento através da psicanálise consegue ajudar, sem usar conceitos pedagógicos, a aprimorar o desempenho de crianças “problemáticas” nas escolas.