Implantadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) como uma alternativa ao agronegócio e à desigualdade social nos meios urbano e rural, as chamadas Comunas da Terra têm grande parte de seu poder de transformação social limitado pela reprodução interna de velhas práticas e vícios da sociedade brasileira.
Para chegar a essa conclusão, a pesquisadora Roberta Vieira Raggi partiu de sua experiência pessoal, trabalhando por três anos com uma equipe técnica em um convênio do MST ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para o planejamento de reassentamentos de reforma agrária, e baseou sua tese de Doutorado nas Comunas, propostas de lotes reduzidos com matriz de produção agroecológica nas franjas de expansão urbana de São Paulo.
Ao realizar o estudo O outro lado da metrópole: As Comunas da Terra na região metropolitana de São Paulo, através da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Roberta analisou as três Comunas existentes atualmente na região paulistana: Dom Tomás Balduíno, na área rural do município Franco da Rocha, Irmã Alberta, no distrito de Perus, e Dom Pedro Casaldáliga, no município de Cajamar.
Não basta conquistar
Segundo a pesquisadora, através da tese foi possível observar “a manutenção da desigualdade social, porém em um novo formato.” Ela aponta que, embora as famílias moradoras conquistassem o acesso à terra, ao trabalho e a políticas públicas, este era muitas vezes precário dentro das Comunas em razão de vários fatores, desde a limitação de recursos e disputas judiciais que inviabilizam a implantação de infraestrutura até o individualismo das famílias e relações paternalistas entre estas, dirigentes do MST e técnicos do Incra.
Assim, Roberta atestou que “a conquista da terra por si só não é suficiente”, sendo necessário “lutar pela permanência da terra” e romper com “a reprodução de velhas práticas e vícios da sociedade brasileira dentro das Comunas.
Conhecimento e autonomia
A pesquisadora reconhece que a reprodução dessas práticas pode acontecer espontaneamente entre os habitantes das Comunas, mas aponta caminhos que poderiam levar ao rompimento.
Com o acesso ao conhecimento, exemplifica ela, as famílias podem formar uma consciência cívica e de classe, conhecer seus direitos e reivindicar o acesso à terra e às políticas públicas. Além disso, ela defende a “autonomia do indivíduo e da comunidade” para não recair em situações “paternalistas e clientelistas” com os órgãos auxiliadores. Só assim, conclui, as Comunas podem atingir seu potencial transformador e superar as desigualdades estabelecidas no campo e nas cidades.