Há tempos que a responsabilidade do desenvolvimento e bem-estar de uma sociedade saiu do âmbito governamental e distribuiu-se também nas esferas empresarial e da sociedade civil. O crescimento de grandes problemas sociais, aliado a esta redistribuição de responsabilidade, fomentou uma discussão geral e estimulou a formação de novas propostas organizacionais. Os chamados negócios sociais são exemplos recentes de empreendimentos que transformaram a máquina econômica em busca do ganho social.
Como um meio termo entre o setor privado e o terceiro setor, os negócios sociais caracterizam-se pelo objetivo prioritário de solucionar um problema sócio ambiental e por serem autossustentáveis. Ou seja, buscam gerar transformação social por meio de mecanismos de mercado.
Tendo em vista a importância da ação dos indivíduos na consolidação dos negócios sociais e diante do crescente número de jovens que buscam fazer a diferença através de suas carreias profissionais, qual seria a relação entre os valores desses jovens e a escolha de atuação nesse tipo de negócio?
Foi pensando nesse contexto que Talita Rosolen buscou investigar o interesse dos estudantes de administração em atuar em negócios sociais e a relação desta escolha com seus valores pessoais. A pesquisa foi desenvolvida na dissertação de mestrado Negócios sociais e valores pessoais: um estudo quantitativo com estudantes de administração, sob orientação da professora Graziella Maria Comini, do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP).
Rosolen fez um levantamento de estudos nacionais e internacionais a respeito de empreendorismo social e negócios sociais. Observou que é um tema em crescimento em ambos os contextos (não só de estudos como de desenvolvimento de organizações), mas destacou a necessidade de aumento da produção brasileira, ainda em estágio muito pequeno.
Quanto aos valores pessoais, baseou-se na escala de valores desenvolvida pelo psicólogo social e pesquisador Shalom Schwartz. Ele criou um modelo no qual sugere a existência de dez “tipos motivacionais”: autodeterminação, estimulação, hedonismo, realização, poder, segurança, conformidade, tradição, benevolência e universalismo. Tais valores estariam divididos em duas dimensões bipolares: ”abertura à mudança versus conservação” e “autopromoção versus autotranscendência”, como mostra a figura abaixo.
Segundo a pesquisadora, todos compartilham desses mesmos valores, apenas nos diferenciamos na prioridade (maior ou menor) que damos a eles.
A pesquisa de campo foi realizada com estudantes de administração de três instituições de ensino superior do estado de São Paulo: a própria FEA-USP, a Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EAESP-FGV) e o Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). De acordo com pesquisadora, “são escolas que representam pioneirismo e qualidade no campo da administração e que se destacam nas discussões sobre negócios sociais.”
Foram 265 estudantes que responderam aos questionários propostos pela pesquisadora, sendo 52% deles matriculados na FEA-USP, 27% na FGV-EAESP e 21% no Insper. Aproximadamente 85% de todos os alunos avaliados cursavam o segundo e o terceiro ano do curso.
Os resultados apontaram que “mais de um terço dos respondentes demonstraram intenção em atuar em negócios sociais no curto ou longo prazo”. Segundo Rosolen, este é um número expressivo ao se pensar que “os negócios sociais são modelos mais recentes, que cresceram na década de 2000 e passaram ser mais discutidos na academia apenas a partir de 2006.”
No entanto, a pesquisadora também concluiu que empresas tradicionais ainda são mais atrativas aos jovens em início de carreira. Essa tendência em permanecer em grandes corporações talvez possa ser explicado pelos fatores restritivos apontados pelos alunos aos negócios sociais, como “baixa remuneração”, “incerteza quanto ao futuro desse tipo de organização” e “escassez de recursos e infraestrutura”,
Quanto aos valores pessoais, Rosolen obteve evidências estatísticas significativas no âmbito “autopromoção versus autotranscendência”, onde o interesse por negócios sociais foi maior por parte dos estudantes que priorizam a dimensão autotranscendência (que abrange os tipos motivacionais benevolência e universalismo). Já no âmbito “abertura à mudança versus conservação”, não houve diferenças significativas.
Por fim, Talita Rosolen indicou que “embora os alunos tenham interesse no tema, ainda não é forte o suficiente para almejarem uma carreira nesse tipo de organização.” E chamou atenção para o papel das instituições de ensino em estimular o contato do aluno com essas novas formas de negócio, através, por exemplo, de disciplinas que tratem diretamente da área.