As tradições de um determinado local ou cultura em relação aos cuidados e à criação de uma criança, além de afetarem, também são afetados pelos casos de depressão pós-parto (DDP) que lá emergem. Enquanto os casos mais acentuados desse transtorno têm a ver com fatores como a relação mantida pela mulher com sua mãe durante a infância, eles conseguem ao mesmo tempo mudar aspectos mais gerais a partir da maneira como essas progenitoras enxergam e priorizam ações direcionadas a seus filhos. Em sua tese de doutorado, defendida no Instituto de Psicologia da USP (IP) em 2014, Renata Pereira DeFelipe procurou entender melhor a relação entre essas instâncias.
O estudo se deu a partir de entrevistas com mães atendidas pelo sistema público de saúde do Butantã, em São Paulo. Dentre as 91 participantes, puderam se distinguir dois grupos, com intensidades diferentes de DDP. Foi analisando aspectos particulares de cada um deles, além dos aspectos culturais da região, que a pesquisadora pôde notar as relações entre os conceitos de etnoteoria e modelos culturais de self e a incidência desse distúrbio. "Para entendermos 'como' e 'porque' certas estratégias são empregadas, devemos nos atentar às demandas culturais, situacionais e socio-históricas locais", comenta Renata sobre esses dois conceitos. De acordo com ela, são esses os fatores que levam a noções compartilhadas como a maneira que o bebê deve se desenvolver e, em direção a isso, quais estratégias parentais devem ser empregadas.
Durante a pesquisa, a psicóloga notou que, entre as mulheres entrevistadas, apesar do compartilhamento da noção de desenvolvimento ideal para a criança, as estratégias parentais consideradas melhores eram diferentes para cada uma. Fora isso, algumas situações se destacaram durante o estudo como interligadas ao surgimento do distúrbio. Dentre elas, estão, como mencionado acima, a relação difícil com a mãe no período da infância e da adolescência, mas também questões como conflitos conjugais constantes, menor religiosidade, gravidez indesejada e a sensação de receber pouco apoio social (principalmente do companheiro). A respeito das consequências práticas da DDP, Renata destaca o abandono gradual de cuidados para com a criança, começando pelos que parecem mais em direção aos menos custosos para as progenitoras.