Ainda que o Brasil venha trilhando um caminho positivo no que diz respeito à garantia de uma alimentação saudável para toda a sua população, problemas estruturais em setores como a educação, o saneamento básico e a moradia podem limitar o sucesso alcançado até agora. É o que Marta Battaglia Custódio defende em pesquisa realizada na Faculdade de Saúde Pública da USP (FSP).
Desde 1993, com a criação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o Brasil tem tomado medidas que vem, pouco a pouco, tirando o país de um cenário complexo com altos índices de desnutrição e mortalidade infantil. Uma das principais medidas foi o sanção da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan, Lei 11.246), em 2006. Ela estabelece a criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), através do qual órgãos governamentais e organizações civis devem trabalhar no combate à fome. Segundo a pesquisadora, a Losan é de extrema importância: "Ela cria as condições formais e as estruturas administrativas para que a discussão política sobre a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) ocorra com participação e controle social".
Além disso, estas políticas foram fortalecidas quando, em 2010, foi incluído na Constituição Federal o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e foi instituída a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), que através de suas diretrizes, tem o objetivo de garantir qualidade na alimentação em todo o país.
A partir deste cenário, Marta procurou analisar a PNSAN e discutir seu arranjo institucional bem como a alocação de recursos. Primeiramente, ela explica que a política é relevante não apenas do ponto de vista individual e nutricional, mas também do ponto de vista social, sendo essencial na garantia da autossuficiência brasileira na produção de alimentos e no estímulo aos hábitos alimentares mais saudáveis. No entanto, ela deixa claro que falhas existem. Sua pesquisa aponta, por exemplo, que a Câmara Interministerial, criada em 2007 e um dos aparelhos mais importantes no processo de articulação da PNSAN, é o órgão mais precário do Sisan.
Portanto, ainda que o Brasil tenha avançado consideravelmente no combate à fome nos últimos anos, os entraves que comprometem essa evolução, segundo Marta, estão nos problemas estruturais de outros aspectos sociais e na má administração de recursos. "O Brasil produz o suficiente para alimentar adequadamente toda a sua população, mas há problemas de assimetria informacional e na distribuição dos recursos que fazem com que ainda exista distorções neste sentido. Os recursos em si são muito importantes, mas às vezes se deve priorizar a sua gestão", explica.
Além disso, é necessário que outros programas sociais sejam desenvolvidos. "Não é possível se falar em alimentação adequada sem se falar em saúde, saneamento, acesso à água, moradia", comenta a pesquisadora, explicando que a política de alimentação é transversal, de modo que perpassa toda a agenda pública. Uma questão que poderia ser aprimorada, por exemplo, se relaciona ao apoio, técnico e financeiro, dado aos pequenos agricultores, responsáveis pela produção de 70% da alimentação do país. Outra medida consistiria em aprimorar os canais de distribuição de alimentos nos centros urbanos.
A educação, por sua vez, é um dos temas mais valorizados pela pesquisadora. Marta defende que os investimentos em escolas, por exemplo, assim como aqueles direcionados à alimentação, devem ser realizados de modo a abranger todo o território brasileiro. Além disso, a pesquisadora atenta que é preciso estimular a educação alimentar como um assunto transversal na grade curricular desde o ensino fundamental e ainda levanta a bandeira da criação de programas sociais nesta área: "Programas que garantam o emprego e a produção, passando por qualificação, educação e assistência técnica são essenciais para a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada".