ISSN 2359-5191

15/04/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 21 - Ciência e Tecnologia - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia
Transplante celular possibilita que galo produza sêmen de outra ave
A partir de testes entre galos e codornas, estudo pretende preservar material genético de espécies ameaçadas em extinção
Exemplar de Mutum de Alagoas, ave ameaçada de extinção que poderá ser beneficiada com o estudo

Projeto que estuda a possibilidade de um galo ejacular sêmen de outras espécies após o transplante de células-tronco é estudado pelo professor Ricardo Pereira, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, com auxílio da FAPESP. Mais especificamente, o estudo tem o objetivo de  “utilizar o transplante de células germinativas testiculares entre espécies para salvar material genético de espécies de aves ameaçadas”.

Especialista em reprodução de aves, o professor Ricardo explica que, para suplementar a biodiversidade, atualmente é utilizado o método de Frozeen Zoo (zoológico congelado). Dessa forma, o material genético em gametas (células sexuais) é congelado. O procedimento pode ser feito com células sexuais femininas (ovócitos), masculinas (espermatozóides) ou com os próprios embriões. No caso das aves, infelizmente alguns problemas impossibilitam a formação do banco de congelamento: o ovócito e o embrião não podem ser congelados devido à grande quantidade de vitelo (reserva de nutrientes) presente nessas células. Assim, resta apenas o congelamento do espermatozóide, que não é tão eficiente no caso das aves.

Trabalhando nesse sentido, o projeto visa estudar uma ferramenta alternativa para um programa de conservação do material genético de aves, a partir do transplante de células germinativas. Para realizar o procedimento, é feito o resgate de células-tronco do testículo congelado de um indivíduo morto. Essas células são transplantadas no testículo de uma ave receptora, que pode ser da mesma espécie ou de uma espécie diferente.

No caso do estudo, os testes estão sendo feitos com as células-tronco de uma codorna, utilizando como ave receptora um galo. O galo foi escolhido por não ser sazonal, ou seja, se reproduz o ano todo, por não representar uma perda de material genético importante (já que, em caso de falhas, poderia se perder o material genético de uma ave ameaçada de extinção) e, por ser um animal domesticado, é mais fácil realizar o seu condicionamento para colheita de sêmen. Além disso, o galo produz mais sêmen (em concentração e quantidade) do que qualquer ave selvagem. A codorna foi escolhida devido à sua específica distância filogenética com o galo.

Até agora, os testes realizados entre galos e codornas não conseguiram ultrapassar a fase da meiose (processo de divisão celular). Apesar do resultado negativo, o professor Ricardo comemora o fato de que as células sobreviveram e chegaram a se multiplicar no testículo do galo, ou seja, para que a célula alcance a meiose e enfim produza espermatozóides da codorna no corpo do galo, é uma questão de aperfeiçoamento de condições. A teoria estudada atualmente pelo projeto é a de que a idade do receptor possa fazer com que a divisão celular ocorra ou não. Assim, precisam ser feitos testes com galos em diferentes idades reprodutivas.

Para que esse transplante seja bem sucedido, é importante que a distância filogenética (relação evolutiva) entre a espécie provedora das células-tronco e a espécie receptora não seja muito grande. Como a distância entre a codorna e o galo é maior do que a distância filogenética do galo e do mutum de alagoas (espécie ameaçada de extinção com apenas aproximadamente 120 exemplares vivos), se os testes entre codorna e galo forem positivas, as chances de haver sucesso no transplante entre mutum e galo são muito grandes, permitindo a conservação genética de uma espécie ameaçada de extinção.

Para outras espécies, mais distantes do galo, uma das alternativas seria adotar outra ave doméstica receptora, com a distância filogenética menor em relação à espécie ameaçada de extinção. Outra alternativa é realizar o transplante não só da célula-tronco, mas também da célula de Sertoli, responsável pela comunicação entre a célula transplantada e o organismo da ave receptora.

Infelizmente, esse método não é aplicável para fêmeas, já que o ovário não possui células-tronco germinativas após o nascimento (a fêmea já nasce com um número de óvulos pré-estabelecidos, ao contrário do macho, que produz espermatozóides durante toda a vida reprodutiva). Por enquanto, para que a pesquisa tenha um retorno no sentido de conseguir novos indivíduos de uma espécie ameaçada de extinção, ainda há a necessidade de existir uma fêmea viva que possa completar o processo de cruzamento. A ideia do professor Ricardo é de que, no futuro, se consiga fazer enxertos de tecido germinativo de fêmeas em embriões de galinhas. Quando esses embriões se desenvolverem e crescerem, seu material subcutâneo apresentaria material genético de outra espécie, produzindo ovários e óvulos propícios para fecundação.


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