Algumas doenças crônicas não transmissíveis, como obesidade, podem estar relacionadas com fatores da fase gestacional – quando o bebê se desenvolve dentro do útero – e com os primeiros anos de vida da criança. Supõe-se que a obesidade materna durante a gestação pode influenciar o desenvolvimento dessa condição no feto. Um desses estudos, realizado da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, concluiu que, ao contrário do que se imaginava, a massa gorda da mãe não está associada à quantidade de gordura presente no corpo de seu filho, enquanto a massa livre de gordura – água, músculos, ossos, entre outros – está.
Buscando entenderos fatores maternos que podem estar associados à obesidade da geração futura, surgiu a pesquisa “Relação entre a composição corporal e leptina e adiponectina séricas maternas e composição corporal do neonato”, de Natália Pinheiro de Castro, orientada pela professora Patrícia Rondó. Através dessa análise de composição corporal, foi possível observar que a massa gorda da mãe não está associada com nenhum tecido do recém-nascido, enquanto a livre de gordura está relacionada à todos eles, inclusive ao tecido adiposo, responsável pelo armazenamento de gordura. “Muito se fala de como o tecido adiposo é nocivo, e no meu estudo ele não apresentou esse comportamento porque não houve associação com nenhum parâmetro do recém-nascido”, ex plica Natália.
Além da descoberta da associação entre a massa livre de gordura da mãe e o tecido adiposo do bebê, constatou-se que a adiponectina, proteína secretada por este tecido e que protege contra várias doenças crônicas, como o diabetes, possivelmente exerce influência na quantidade de gordura do recém-nascido. Já a leptina, hormônio produzido pelo mesmo compartimento corporal, e que, quando elevada, está relacionada à trombose e doença cardiovascular, não apresentou associação com os compartimentos corporais do bebê.
“A questão agora é avaliar como as modificações da massa livre de gordura das mulheres, com a alimentação e atividade física, podem afetar a quantidade de gordura dos seus filhos, e pensar em formas de prevenção da obesidade das próximas gerações com intervenções direcionadas às mulheres em idade fértil”, afirma a pesquisadora.
Metodologia
Participaram da pesquisa 215 mães saudáveis e seus filhos, cujos nascimentos ocorreram no Hospital Maternidade-Escola Dr. Mário de Moraes Altenfelder Silva situado na Vila Nova Cachoeirinha. Natália e Verônica do Vale Euclydes Colovati, mestranda da equipe do Programa Interunidades em Nutrição Humana Aplicada (Pronut), conversavam com as mães no centro cirúrgico, perguntando se havia interesse em participar do projeto. As medidas antropométricas (peso, altura e circunferências), cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC) e as composições corporais das mães e seus recém-nascidos foram realizadas até 72 horas após o parto, antes da alta hospitalar.
Para medir de massa gorda e livre de gordura dos bebês dessa pesquisa, foi utilizado um método não invasivo e preciso, chamado pletismografia por deslocamento de ar, medido pelo equipamento PEA POD. Este método estima a composição corporal dos bebês pelo deslocamento do volume de ar, que, aliado ao peso e comprimento da criança, permite o cálculo da densidade corporal, a qual é utilizada para avaliar a quantidade de massa gorda e livre de gordura do recém-nascido. Esse tipo de procedimento também é mais eficiente para avaliar o estado nutricional do que medições de peso e comprimento, como o índice ponderal (peso do bebê/comprimento3). Devido à precisão e tecnologia, o equipamento tem um custo elevado e sua aquisição foi financiada pela Fapesp, tornando-o o primeiro equipamento a realizar este tipo de medida em São Paulo, e o segundo no Brasil.
É importante ressaltar que essa foi uma pesquisa transversal, ou seja, a pesquisa foi feita de forma pontual com essa população em um determinado momento, no caso, logo após o parto. Assim, não é possível concluir que exista uma relação de causa e consequência, mas sim uma associação de fatores, que devem ser avaliados em estudo longitudinal para confirmar uma possível relação causal.