ISSN 2359-5191

16/04/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 22 - Sociedade - Instituto de Estudos Brasileiros
Corte de verbas da USP ameaça projetos da Biblioteca Digital de Cartografia Histórica
Permanência de bolsistas e iniciativas paralelas são afetadas, enquanto cerca de 240 mapas ainda precisam ser preparados para o site
Trecho de um mapa de 1606, com enfoque na parte sul do continente americano e seu sistema hidrográfico. Autoria e mais informações em: http://bitly.com/1PSaM5j

Aves lutam sobre o sul do Brasil. Engenhos se espalham pelo centro do país. Monstros dominam o Oceano Atlântico. Apesar desse universo fascinante da Biblioteca Digital de Cartografia Histórica da USP, a crise orçamentária da Universidade vem afetando o projeto. A professora Fernanda Padovesi, envolvida com a iniciativa, dá exemplo: “tenho 2 alunos no projeto Ensinar com Pesquisa, que terminaram a bolsa, no fim de fevereiro, e ainda não tivemos novo edital. No momento, eles trabalham sem bolsa”.

A coordenadora e professora Iris Kantor ressalta que “trazer professores visitantes vai ser mais difícil”, algo importante para a formação da equipe, que deve se familiarizar com a pesquisa na área de história da cartografia, pois “esse conhecimento não é apreendido de maneira objetiva”, completa ela. O acervo contém cerca de 300 mapas. Em torno de 60 já estão disponíveis no site, o que dá ideia da dimensão do trabalho a ser realizado e do impacto do corte de verbas na continuidade do projeto.

No ar desde 2009, o site traz alguns mapas da coleção do falido Banco Santos e da coleção do Almirante Max Justo Guedes, que, após serem destinados à Universidade, foram digitalizados e deram origem à página, numa parceria entre o Laboratório de Estudos de Cartografia Histórica (LECH), e o Centro de Informática de São Carlos (CISC). O Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) também participou do processo, realizando a higienização, restauração e o inventário do acervo, além de digitalizá-lo. O projeto também teve, por fim, apoio da Fapesp. Todo esse esforço foi realizado para tornar os mapas públicos, conforme determinação inicial do juiz no processo de falência do Banco.

A maior parte da etapa de digitalização já foi feita. Para cada mapa, o site disponibiliza a imagem digitalizada em diferentes formatos, junto a verbetes com informações cartobibliográficas, que apontam dados como a autoria, o contexto de produção e técnicas utilizadas nos mapas. Há também uma breve biografia dos autores e a relação de outros acervos mundiais onde o mapa se faz presente. Esta última ferramenta é importante para o entendimento da história social do mapa, pois muitos deles possuem diferentes versões de diferentes épocas, já que, no período da expansão marítima europeia, eram disputados “best-sellers”. O levantamento desses dados, no entanto, demanda tempo e precisão, e é realizado em projetos paralelos na Cátedra Jaime Cortesão, onde fica o LECH, com bolsistas dos programas Ensinar com Pesquisa e Aprender com Cultura e Extensão, ambos da USP e ameaçados pela crise, e também com colaboradores, como pesquisadores e professores convidados para cursos de extensão.

Outros projetos se desenvolvem a partir da Biblioteca. Um deles, coordenado pela Fernanda, foca a formação escolar. “Nossos alunos aprendem a trabalhar com mapas da Biblioteca, e são desenvolvidas atividades didáticas pra pensar como os mapas podem ser usados pelo professor em sala de aula”, diz ela. Tal projeto é imprescindível, dada a situação atual do ensino de História na educação básica, em que professores não costumam trabalhar com mapas antigos. Seja pela necessidade de certo preparo e domínio de linguagem técnica por parte dos professores, seja pelo fato dos livros didáticos trazerem muitas releituras ilustradas de mapas, a formação dos alunos é assim prejudicada e o contato com um acervo como o da Biblioteca Digital não é estimulado.

Outra iniciativa é a formação de bases de dados que facilitem o diálogo entre mapas históricos e a cartografia temática – processo no qual, em resumo, se tornam visíveis determinados fenômenos históricos, estatísticos ou econômicos. Essas bases de dados, como resume Fernanda, “envolvem duas vertentes, a partir dos mapas históricos: uma seria trabalhar com o documento histórico em si, e a outra envolveria a produção de mapas no presente, com base nos dados e mapas do passado”.

 

O acervo também apresenta gravuras, como essa, intitulada "S. Salvador. Baya de Todos os Sanctos". Nela é representado o ataque a Salvador feito pela Companhia das Índias Ocidentais, em 1624. Este tipo de ilustração procurava dar notícia dos feitos militares da Companhia, exaltando-os. Autoria e mais informações em: http://bit.ly/1Hx7q4a

Técnicas avançadas de restauro e documentação, disponíveis nos laboratórios do IEB e desenvolvidas em parceria com o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de SP), foram importantes para o projeto, permitindo que detalhes como a marca d’água da fábrica do papel do mapa ajudasse a descobrir seu contexto de produção. O LECH, além da pesquisa, realiza também a edição digital do material que vai para o site, o que exige pessoal capacitado a trabalhar com os softwares usados.

Os mapas do acervo foram produzidos, em geral, entre os séculos XVI e XIX, e contam com muitas representações impressas do Brasil e da América. Mais do que a história dos territórios e da representação das áreas, os mapas carregam outras interpretações, daí a importância de se pensar os contextos de produção, circulação e apropriação das imagens cartográficas. Nesse sentido, os verbetes e demais informações da Biblioteca ajudam na reflexão. É importante ressaltar que, apesar dos mapas estarem disponíveis publicamente, o site estabelece regras para a reprodução das imagens.

   Apesar das incertezas, existem novos planos para o projeto, como a tradução do conteúdo para outros idiomas e a produção de vídeos que expliquem como usar os mapas em sala de aula. O futuro dos mapas também é indeterminado, pois os desdobramentos jurídicos da falência do Banco Santos podem levá-los a leilão. Para Iris, manter esses mapas na Universidade é importante, apesar do acervo não ter sido originalmente organizado sob critérios estritamente científicos: “assim como os químicos precisam de reagentes e instrumentos, os historiadores da cartografia também necessitam de obras de referência altamente especializadas para a análise crítica dos documentos cartográficos antigos”, afirma.

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