ISSN 2359-5191

06/05/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 31 - Saúde - Faculdade de Saúde Pública
Saúde privada e situação econômica estão associadas a altas taxas de cesáreas
Estudo na região Sudeste aponta que motivos clínicos não são único fator que ocasiona o elevado índice de cesarianas
Cesarianas representam mais de 80% dos partos feitos no setor privado no Sudeste

Embora a Organização Mundial da Saúde (OMS), recomende que a taxa ideal de cesarianas em determinado local ou serviço não ultrapasse 15%, no Brasil o percentual é triplo do indicado pelo órgão. Esse é um dos aspectos relatados pela pesquisa Nascer no Brasil: Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento, coordenada pela Fundação Oswaldo Cruz e realizada entre janeiro de 2011 e julho de 2012 em todo o país. Esse banco de dados foi utilizado de base para a dissertação de mestrado de Bruna Alonso, pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública, que observou uma relação entre o setor de saúde privado e o alto número de cesarianas. Foi constatado também que as mães que utilizaram a rede pública apresentavam maiores taxas da intervenção caso tivessem melhores condições socioeconômicas.

A pesquisadora, orientada pela Profa. Dra. Flora da Silva, buscou estudar quais os fatores que induziam à cirurgia além do viés cultural: “No Brasil, as pessoas acham que ter uma cesariana é sinônimo de boa assistência, e que o parto vaginal é uma coisa suja, violenta, nojenta. [O parto normal] é um evento que foge do controle em uma sociedade que deseja que tudo seja previsível”, aponta.

Para realizar a pesquisa, Bruna dividiu os dados encontrados em dois grandes grupos de mulheres, as que foram atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e as que foram atendidas pelo Sistema de Sáude Suplementar (SSS), que engloba os setores privados do serviço, com o objetivo de comparar entre eles os fatores socioeconômico, clínico e demográfico. Foram analisados dados de 9828 mulheres, sendo que 79% eram do SUS e 21% do SSS. A taxa de cesarianas na região foi de 53%, destes sendo quase 45% de casos no setor público e 84% no privado.



Saúde pública

Os fatores estudados que levaram a maiores chances de parto normal foram a mãe ser adolescente e ter seu filho em cidades que são capitais de seus estados. Quando a mulher é mais jovem, a chance do médico optar pela cirurgia é menor, por conta da menor chance de intercorrências problemas durante o parto e do maior cumprimento da lei do acompanhante, segundo a qual a mulher pode ter alguém de confiança ao seu lado durante o processo do parto: “Quando a mulher se encontra sozinha num sistema de saúde projetado pra ser uma linha de produção, ela fica mais suscetível a ações como violência obstétrica e intervenções desnecessárias, como muitas vezes é a cesariana”, explica a pesquisadora.

Sobre as capitais apresentarem menores taxas, concluiu-se que as mulheres residentes nessas regiões têm mais acesso à informação de melhor qualidade: “Isso faz com que ela se sinta empoderada e questione a decisão pela cirurgia do profissional que está acompanhando o parto”, completa.

Já os fatores que levaram à maior taxa da intervenção foram mulheres com trabalho remunerado, pertencentes às classes superiores e com ensino superior ou mais no quesito socioeconômico. Esse é um dado curioso já que todas as mulheres deveriam ter a mesma probabilidade, ao menos nesse fator de comparação, de ter que passar pela intervenção. Uma das hipóteses levantadas pelo trabalho é de que essas mulheres estariam recebendo uma “melhor assistência”, representada pela cesariana no imaginário brasileiro, por terem uma condição social superior.

Na parte clínica foi constatado que mães primíparas que tiveram primeiro parto vaginal , com cesariana anterior, com 35 anos ou mais ou que apresentaram intercorrências durante a gestação foram mais suscetíveis a terem partos por cesariana. É importante destacar que nem todos esses problemas exigem cirurgias e que existem outras formas de lidar com as adversidades, sendo a intervenção o último recurso.


Saúde privada

Os parâmetros utilizados para ambos os campos da pesquisa foram os mesmos, contudo nenhum dos fatores apresentou números significativos o suficiente para que pudessem ser relacionados com o aumento ou diminuição do número de cesarianas. “O Setor de Saúde Suplementar se comportou como fator independente associado à cesariana. De alguma forma, talvez pelo modo como é estruturado, ele mesmo acaba por determinar a cirurgia, independente dos fatores associados à mulher”, argumenta a pesquisadora. Isso ocorre por dois principais fatores: a conveniência médica, na qual é muito mais fácil para o médico agendar um nascimento que dure algumas horas do que acompanhar uma mulher durante todo o trabalho de parto que começa em horário indeterminado e não tem prazo de duração; além disso existe a estruturação do setor privado, que é feita em torno do lucro e exige desocupação de leitos e profissionais.

O setor é regulado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), contudo sua atuação ainda é tímida perante a taxa alarmante de mais de 80% de cesarianas nos partos feitos no serviço. Para combater essa realidade, foi anunciada uma resolução em janeiro desse ano, em parceria com o governo federal, que exige o preenchimento de um partograma pelo médico da rede privada antes de realizar a cesariana. Trata-se de um documento onde são registradas todas as etapas do trabalho de parto da gestante, buscando inibir o agendamento de cesáreas e intervenções desnecessárias.

Sobre as mudanças implementadas, a pesquisadora acredita que elas serão benéficas, porém não podem significar o fim da visibilidade da situação: “[Governo e ANS] estão sinalizando mudanças, mas vai haver uma tentativa de burlar a legislação por parte desses médicos. Essa é uma conquista, mas as pessoas não podem parar de olhar para o problema por conta de um primeira vitória” completa Bruna.


Leia também...
Agência Universitária de Notícias

ISSN 2359-5191

Universidade de São Paulo
Vice-Reitor: Vahan Agopyan
Escola de Comunicações e Artes
Departamento de Jornalismo e Editoração
Chefe Suplente: Ciro Marcondes Filho
Professores Responsáveis
Repórteres
Alunos do curso de Jornalismo da ECA/USP
Editora de Conteúdo
Web Designer
Contato: aun@usp.br