Muito se fala sobre o uso de preservativos como forma de proteção contra doenças sexualmente transmissíveis, principalmente a aids. Porém, por mais que a maioria pessoas saiba das ameaças de relações sexuais sem segurança, existem aquelas que mesmo assim, preferem o risco de contrair alguma doença. Diante desses fatos, Luiza Amaral, psicóloga que defendeu sua dissertação de Mestrado na Faculdade de Medicina da USP, decidiu estudar um caso específico de pessoas compulsivas sexuais, que é o de homens que fazem sexo com outros homens (HSH), compulsivamente e sem uso de preservativos.
Os homens que fazem sexo com homens - terminologia que engloba bissexuais e homossexuais - sem o uso de preservativos de forma intencional, são chamados pela ciência de barebackers. Luiza atenta para o fato de que essa denominação está sendo utilizada pela mídia em geral para designar um outro tipo de grupo, diferente desse que é o foco do seu estudo. “Na comunidade científica, barebacking é o comportamento dos HSH que querem fazer sexo sem preservativo, de forma intencional, mas sem a intenção de transmitir o HIV. Eles querem correr o risco. Mas o que tem se falado hoje em dia é de um grupo que tem a intenção de transmitir a doença intencionalmente, o que é um problema bem mais grave.” explica a psicóloga.
Luiza trabalha em um ambulatório do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (IPq) que trata especialmente dos compulsivos sexuais. Ela conta que a primeira parte de sua pesquisa foi recrutar os 55 voluntários HSH (pacientes do ambulatório) e estudar a prevalência do comportamento barebacking e a incidência do vírus HIV neles. Como resultado, Luiza concluiu que 38% dos envolvidos na pesquisa tinham esse comportamento, ou seja, 21 homens eram barebackers. Do total de voluntários HSH compulsivos sexuais, 11 são portadores do HIV, sendo que nove deles são barebacking. Para a pesquisadora esse é um número bem significativo, mas esperado já que eles se colocam muito mais em risco de contrair a doença.
A segunda e mais importante parte da pesquisa contou com o estudo a cerca da personalidade dos barebackers. Luiza explica que o objetivo central da pesquisa foi ver se esses homens eram mais propensos a ter algum problema de personalidade. Por meio do instrumento de Cloninger (instrumento que permite traçar um perfil da personalidade do indivíduo), que é dividido em temperamento e caráter, a pesquisadora procurou avaliar três fatores: o autodirecionamento (caráter), a busca por novidade e a evitação de danos (temperamento). Ela conta que “o autodirecionamento é a forma como me posiciono na vida, em relação as minhas metas e os meus objetivos. Como eu me direciono e se sou uma pessoa que tem a autoestima boa”.
Os resultados esperados eram que os HSH compulsivos sexuais com o comportamento barebacking teriam um menor autodirecionamento, uma busca mais elevada por novidade e uma menor evitação de danos, quando comparados aos HSH compulsivos sexuais sem o comportamento barebacking. Porém, a conclusão final se diferenciou um pouco do que era previsto. Os barebackers tem uma tendência à busca de novidades mais alta, mas não tanto como se esperava. Já a evitação de danos não apresentou diferenças. No entanto, a surpresa da pesquisadora foi no fator de autodirecionamento.
O estudo mostrou que os HSH com comportamento barebacking apresentam um grande comprometimento no autodirecionamento. Luiza explica que em geral, os fatores de caráter estão associados a transtornos de personalidade. O baixo autodirecionamento se relaciona com dificuldade na aceitação de responsabilidade, falta de metas a longo prazo, autoestima cronicamente baixa e dificuldades com a própria identidade.
De acordo com a pesquisadora, o resultado principal de sua pesquisa foi perceber que a questão da personalidade dos HSH barebacking - o grande comprometimento do autodirecionamento -é algo tratável, pois está no caráter. A psicóloga relata que o temperamento das pessoas é algo inato, mas o contrário acontece com o caráter, que se desenvolve ao longo da vida, e por isso, tem um tratamento psicológico mais fácil. Ela completa dizendo que as intervenções clínicas no caráter podem ajudar a criar uma consciência mais critica e uma consequente melhora na tomada de decisões, o que contribui na personalidade como um todo, visto que os fatores influenciam um nos outros.