Dissertação de mestrado da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP mostra que militância política pela luta antimanicomial permite que os envolvidos passem por uma metamorfose de identidade e alcancem certa emancipação. A pesquisa, “Luta antimanicomial: da participação política à formação da personagem militante” é de autoria de Débora Cidro de Brito e foi finalizada em setembro de 2014.
A pesquisadora ouviu pessoas em sofrimento psíquico e familiares destes. Cidro se baseia na “teoria da identidade”, em que o voluntário deve contar sua história de vida com foco na militância. Débora analisa o envolvimento político como algo capaz de “organizar” a pessoa, com mudanças de comportamento e percepções. Os familiares dão conta de mostrar como esse processo político permite uma emancipação; os usuários caminham nesse sentido, mas ainda presos ao discurso da luta antimanicomial, de apontar os problemas e os abusos que sofreram.
Segundo a pesquisadora, esse comportamento das pessoas portadores de distúrbios psíquicos é coerente com seus históricos de longas internações. “Eles se valem dessa fala como forma de se manterem afastados das intervenções hospitalares pelas quais passaram. Acredito que essa metamorfose de indentidade acontecerá a eles em um outro momento”.
Familiares voluntários
Laura, apesar de se apresentar como familiar, participa do movimento antimanicomial voluntariamente, sem vínculos parentais. Envolvendo-se cada vez mais, ela chega a formar uma associação que presta amparo às famílias e fornece informações sobre locais de tratamento. Em anos passados, Laura viaja pelo País como palestrante e congressista, assumindo uma posição de destaque na militância. Cidro observa uma metamorfose em seu comportamento, a partir de sua fala sobre as perspectivas para sua vida fora da causa antimanicomial.
Fernando, pai de um filho diagnosticado com esquizofrenia, foi professor de natação e empresário antes de sua aposentadoria. Conta, à Cidro, que esteve em boa situação financeira, mas não lamenta a “nova vida”. A partir da descoberta da doença do filho, ele percebe e conhece novas perspectivas, reorganizando suas prioridades. Ao se envolver ativamente com a militância, Fernando assume para si a identidade de “pai do esquizofrênico”. De acordo com Débora, desde então, ele passa a ocupar nova identidade na sociedade e interage de modo diferente com a causa, ganhando outro espaço.
“Por uma sociedade sem manicômios”
A partir da década de 1980, a sociedade civil e profissionais da saúde passaram a reivindicar um tratamento psiquiátrico mais humanizado. O fim das internações compulsórias e por longas temporadas passava por isso. A lei, redigida nessa época, foi aprovada apenas em 2001 e institui a criação dos Centros de Atendimento Psicossocial (Caps), que pretende substituir os hospitais tradicionais.
Ainda que o número de internações tenha diminuído a partir da implantação dos Caps, Cidro ressalta que é preciso uma mudança de mentalidade para que a reforma se complete. “Não adianta derrubar o prédio manicomial e não mudar a ideologia daqueles que comandam os centros”.
Além de atender casos graves, o Caps é responsável por integrar socialmente os usuários. Para além do edifício, eles promovem diversos passeios, alguns grupos de convivência e atendimento domiciliar.
A dissertação teve orientação do professor Marco Antonio Bettine de Almeida e teve financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (Capes).