O novo Código de Processo Civil, sancionado pela presidenta Dilma Rousseff em março, estabelece que o Estado promova, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. Prevê que juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público estimulem a conciliação e a mediação de conflitos. Para regulamentar a proposição do CPC, a Câmara aprovou o projeto de lei 7169/14, que permite ao juiz remeter o processo à mediação antes de instalar o litígio. O prazo para a resolução do conflito é de 60 dias, prorrogáveis se houver acordo entre as partes.
A mediação vem sendo usada pela Justiça brasileira há alguns anos, mas em pequena escala e sem uma regulamentação tão específica. Quando as novas medidas entrarem em vigor, espera-se que ajudem a desafogar o Poder Judiciário e a acelerar as decisões sobre os processos. A psicóloga Joyce Rezende pesquisou como a mediação é exercida, focando na forma como a psicologia se insere nesse método de resolução de conflitos. Os resultados constatados por ela foram reunidos em dissertação no Instituto de Psicologia da USP.
A pesquisadora explica que o mediador deve agir de forma imparcial e neutra, com o objetivo de ajudar as partes a conversarem sobre o conflito entre elas, identificando, por si próprias, soluções consensuais que gerem benefício mútuo. Ao mediador não é permitido julgar e oferecer sugestões, mas criar um espaço de diálogo. Não é necessário ser psicólogo para ser mediador, este pode ser de qualquer área, mas é exigido um curso de capacitação em mediação aprovado pelo Conselho Nacional de Justiça.
Em sua pesquisa, a psicóloga, que também é formada em direito, buscou contribuições da psicanálise que poderiam ser usadas na mediação, como a recomendação não se deter em nenhum ponto específico e o modo como o mediador é afetado pela escuta. Ela descartou a possibilidade da interpretação psicanalítica ser explorada pelo mediador, pois, durante o procedimento judicial, ele não detém conhecimentos suficientes dos indivíduos escutados para ser capaz de elaborar esse tipo de análise. No entanto, o que a relação entre as partes desperta no mediador seria, segundo ela, capaz de auxiliar o entendimento do conflito.
Na observação de conflitos de casais em mediação, ela notou uma tendência das partes quererem relatar e discutir seus problemas conjugais, enquanto os mediadores buscavam focar a conversa nos filhos. “Em psicanálise, sabemos que, muitas vezes, o sintoma psicológico da criança está relacionado ao conflito dos pais, então, quando o mediador foca muito na criança, o conflito deixa de ser tratado”, afirma Rezende. O mediador, ao centralizar a conversa na relação parental, impede a resolução do conflito.
A pesquisadora observou que a mediação pode servir como instrumento de psicologização dos conflitos, transferindo todas as questões para o plano interno dos indivíduos, negando o contexto social dos acontecimentos. Durante as observações, diversas vezes os mediadores questionavam o que as partes sentiam em cada momento, ignorando efeitos sociais que pudessem estar presentes. Além disso, acontece de o mediador mudar o foco da conversa a partir de ideias e valores próprios, desviando da proposta psicanalítica de não se deter em pontos externos à escuta. Tanto na terapia quanto na mediação, é recomendável que o analista ou mediador não faça afirmações, mas questione.
Joyce Rezende aponta que há uma forte normatização pelos mediadores da forma como as partes devem agir, principalmente no que concerne à relação com os filhos. Ela contesta a afirmação de alguns deles de que seria seu papel proteger a criança. Acredita que este é um dever do juiz e do conselho tutelar, o mediador teria como função facilitar a comunicação. “Responsabilizar é um papel do juiz”.
A mediação não visa investigar a dinâmica das relações, mas oferecer uma solução mais breve e pontual, diferenciando-se, assim, da terapia psicanalítica. Entretanto, diferentemente do conciliador, o mediador não tem como objetivo garantir um acordo ou sugerir soluções para o litígio, sendo um processo baseado no diálogo e na geração de autonomia nas partes. A pesquisadora acredita que a mediação, por si só, não é capaz de desafogar o judiciário: “A mediação deve ser promovida pelo Estado não como forma de diminuir o número de processos, embora essa possa ser uma consequência”.
O texto aprovado pela Câmara torna obrigatória a tentativa de mediar um conflito antes de levá-lo ao Poder Judiciário em uma primeira reunião, mas não exige que as partes permaneçam na mediação. O Código de Processo Civil determina que poderá haver mais de uma sessão destinada à mediação. As partes podem escolher, de comum acordo, o mediador, com remuneração prevista em tabela fixada pelo tribunal. Anteriormente, os mediadores eram voluntários.