Quando uma região é alagada para aproveitamento hidrelétrico, algumas consequências podem não ser tão óbvias. O impacto ecológico e social é bastante pautado na mídia quando uma nova usina de grande porte é planejada: moradores desalojados, destruição de habitats naturais e comprometimento da fauna e flora são temas comuns ao criticar-se esse tipo de geração de energia.
No Mato Grosso (MT), arqueólogos auxiliados pela pesquisadora Iris Fernandes, do Departamento de Geofísica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, enfrentaram outra questão: como saber se, abaixo do solo, não havia artefatos indígenas enterrados, que seriam perdidos no caso de alagamento da região?
O Governo Federal encaminhou, antes de aprovada a construção da represa de Dardanelos, no rio Aripuanã, MT, um estudo arqueológico prévio da região a ser alagada, por ser uma área conhecida por sua riqueza de sítios pré-históricos. Seguindo as normas da legislação de proteção ao patrimônio arqueológico nacional (Lei 3.924/1961 e Portaria IPHAN 230/2002), a pesquisadora integrou a equipe responsável pela segurança e extração de possíveis artefatos presentes no local.
Para tal, foi utilizada a tecnologia GPR (radar de penetração no solo, em inglês,) para mapear o subsolo das regiões de maior possível valor arqueológico, uma técnica usada desde os anos 80 com pouca frequência devido ao alto nível de especialização requerido para processar e interpretar os dados recolhidos a partir dela.
Rebatendo ondas eletromagnéticas dentro do solo, é possível mapear objetos enterrados com facilidade para definir os locais de escavação. “[A técnica] facilita imensamente as pesquisas”, afirmou Fernandes, “pois diminui o tempo de busca e, consequentemente, o investimento financeiro para tal.” Também de acordo com ela, a limitação principal do método se dá ao investigar regiões de alta profundidade, onde dificilmente há valor arqueológico.
Além disso, é preciso demarcar uma área limitada e específica a ser investigada pelo equipamento. “É muito possível que alguns objetos tenham sido deixados para trás”, a pesquisadora contou, “pois o GPR investigou áreas muito específicas e demarcadas, não cobrindo toda a área que foi submersa. Nas áreas investigadas, é pouco provável que algo tenha ficado para trás, uma vez que todos os sinais captados foram escavados e, como previsto no sinal GPR, alvos foram encontrados.”
Ao todo, foram encontradas quatro urnas funerárias indígenas distribuídas em três áreas distintas, feitas de cerâmica e contendo ossadas humanas. Outro objeto de interesse em potencial trava-se, na verdade, de uma rocha, e em uma das regiões foram encontrados indícios de uma antiga escavação.
Para Iris, o papel dos pesquisadores e profissionais da geofísica é importantíssimo para a preservação desse tipo de patrimônio: “Os trabalhos de escavações arqueológicas sem o apoio de métodos geofísicos voltam para técnicas antigas e tradicionais, em que se baseiam em pistas deixadas e encontradas nos locais próximos ao que será investigado e as escavações ocorrem basicamente às cegas”, ela ressalta. “Em um trabalho como este, em local remoto e rodeado por florestas, o tempo de investigação e custos teriam sido incomensuráveis. Muito possivelmente, sem a ajuda de um método geofísico, a investigação arqueológica teria sido inviabilizada.” Isso significaria, é claro, que a área seria inundada sem o resgate dos artefatos, que seriam perdidos, possivelmente para sempre.
As urnas e ossadas encontradas foram incorporadas ao patrimônio nacional pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), a partir do qual podem ser destinadas a centros de pesquisa e museus.