Autores da psicologia como o francês Pierre Marty apontam certo empobrecimento imaginativo das pessoas acometidas por doenças psicossomáticas, entre as quais a asma. No entanto, um estudo no Instituto de Psicologia da USP demonstra capacidade de expressão criativa em pacientes asmáticos. A pesquisa foi realizada com crianças asmáticas em tratamento no Instituto da Criança do Hospital das Clínicas e os resultados estão em dissertação da psicóloga Cristiane Brentan.
Doenças psicossomáticas são caracterizadas pela inter-relação entre aspectos físicos psicológicos. Cristiane Brentan observou a expressão da criatividade em crianças com asma, exemplo de doença psicossomática, questionando se sua capacidade imaginativa sofria algum bloqueio. Seu objetivo não era estipular se, por serem asmáticas, são mais ou menos criativas do que outras crianças sem a doença, mas descobrir se possuem dificuldade de expressão, entendendo seu modo de manifestar criatividade.
Inicialmente, ela entrevistou os pais das crianças para entender o histórico delas. Com as crianças, primeiro realizou procedimento denominado ‘desenho-estória’, visando traçar aspectos de personalidade. O método foi criado pelo professor da USP Walter Trinca, e consiste na elaboração pela criança de cinco desenhos livres que, em conjunto, formam uma narrativa a ser contada por ela ao psicólogo.
O segundo procedimento usado foi o ‘teste de criatividade figural infantil’, para avaliar a expressão criativa das crianças e fornecer dados mais concretos referentes a criatividade à pesquisa. No teste, são oferecidas à criança três atividades contendo traços gráficos, que ela deve completar de modo a formar um desenho. Por meio de indicadores que avaliam aspectos majoritariamente cognitivos, é feita uma avaliação da criatividade. Esse método quantifica e traz parâmetros de criatividade.
Os dois métodos, que tratam de dois conceitos diferentes de criatividade, se complementaram. A pesquisadora pôde constatar grande diversidade psicológica das crianças asmáticas, não havendo nelas um modelo único de personalidade. Foi verificado que as crianças conseguiam criar histórias e desenhos, expressando, em maior ou menor grau, sua subjetividade. Em alguns participantes, o ‘teste de criatividade figural infantil’ denotou alto nível de criatividade, enquanto o ‘desenho-estória’ indicou desequilíbrio na transição entre o mundo objetivo e subjetivo, o que não seria saudável psicologicamente para a criança.
Antes da conclusão da pesquisa, traçando um paralelo entre a própria asma e a criatividade, Brentan pensava que, assim como o ar que fica preso nos pulmões da pessoa asmática sem conseguir ser expirado, a criatividade poderia ficar retida no indivíduo. Os testes realizados provaram o contrário: as crianças asmáticas conseguem sim se expressar criativamente.
De acordo com o psicanalista inglês Donald Winnicott, que referenciou a pesquisa de Brentan, cada ser humano cria um mundo desde o momento de seu nascimento e da primeira mamada. Aquilo que o bebê cria depende em grande parte daquilo que é apresentado a ele pela mãe, sendo que, no inicio, o bebê tem a ilusão de que tudo o que encontra no mundo foi criado por ele. Para o autor, a criatividade é o ato mais genuíno e próprio da pessoa, ligado à sua singularidade.
A psicóloga entende que uma criança espontânea e segura para se expressar e expôr suas ideias foi, desde o início da vida, amparada por alguém atento aos seus gestos espontâneos que compreendia sua expressão. Ela diz ainda que a criatividade está presente no modo como a pessoa se expressa e em sua individualidade. “A criatividade se constitui através do seu ‘olhar’ para o mundo e seu ‘ser’ no mundo”.