São Paulo (AUN - USP) - O ser humano começa a agir moralmente para preservar o respeito que os outros têm por ele. Caso contrário, aparece o sentimento da vergonha. Essa é a conclusão de um estudo encerrado ano passado no Instituto de Psicologia da USP, que reúne 16 pesquisas, realizadas durante cinco anos.
“Aos seis anos, a criança tem mais medo do castigo do que de uma crítica verbal. Mais tarde, a partir dos nove anos, é pior ser humilhado com uma bronca do que receber uma punição.” É assim que o professor Yves de La Taille, do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade, e principal responsável pela pesquisa, exemplifica a evolução da vergonha no homem. Segundo o estudo, ela ocupa mais espaço na personalidade conforme o desenvolvimento da criança. Ou seja, a moral está correlacionada com o auto-respeito, que De La Taille chama de honra.
Para analisar essa vergonha de agir contra a moral, cerca de 1.500 crianças de seis a doze anos foram ouvidas através do método da entrevista clínica, a partir de dilemas morais apresentados ao entrevistado cujas reações a eles são analisadas.
Em uma das situações apresentadas às crianças, a professora distribui massinha de modelar para os alunos e pede que façam algo. Alice e duas amigas fazem uma casinha que, sendo dos três, deveria ficar na escola. Mas quando fica pronta, a menina acha que ficou muito bonita e resolve levar escondido para casa. As crianças são questionadas sobre como Alice se sentiu. Para os entrevistados de seis anos 77% consideram que ela teve sentimentos positivos, que ficou contente por levar a casinha, e 23% que Alice teve sentimentos negativos, ficou triste com o que fez. Já entre os de nove anos, a situação se inverte, para 31% ela se sentiu bem e para 69% ela se sentiu mal.
Numa segunda etapa, a professora pede para cada grupo entregar o trabalho, mas Alice não conta o que fez. Quanto ao motivo da atitude de Alice, 73% das crianças de seis anos julgam que foi por medo do castigo, enquanto apenas 23% das de nove anos alegaram essa razão. Em relação ao medo moral, vergonha, temor de ser desprezado ou abandonado pelos colegas, somente 23% dos entrevistados mais novos justificaram dessa forma. Já para 55% dos mais velhos, esse é o motivo principal.
“Desde os gregos, o homem tenta entender a moral, por isso o tema da moralidade vem sendo muito explorado. A importância dessa pesquisa é que ela relaciona a questão moral com a dimensão afetiva.” De La Taille resume assim a relevância desse estudo no qual obteve a ajuda de bolsistas e alunos com iniciação científica na área de psicologia e educação. A reunião dessas pesquisas será publicada nos próximos meses no livro entitulado “Vergonha, a ferida moral” pela editora Vozes.