Uma pesquisa desenvolvida no Grupo de Estudos Olímpicos, da Escola de Educação Física e Esporte da USP, estudou a biografia de 12 jogadores de futebol, que passaram pela Seleção Olímpica em diversas gerações, dos anos 1960 até 2000. A gestão de carreira desses atletas, segundo se verificou, foi se profissionalizando ao longo dos anos, graças a iniciativas do COI (Comitê Olímpico Internacional) e da Fifa (Federação Internacional de Futebol).
Segundo Luciana Angelo, autora da tese, até a década de 80 a gestão da profissão era muito amadora e muitos atletas, por exemplo, contaram sobre contratos “de gaveta” e sobre a ausência da figura do empresário, o que os obrigava a cuidar de suas próprias carreiras. É a partir da década de 90 que isso passa a mudar, quando surge a idade limite – de 23 anos – para um atleta participar de uma seleção olímpica e, depois disso, seguir carreira profissional, em times “grandes” e seleções Fifa. “Foi uma certa combinação política entre o COI e a Fifa para definir essas diferenças entre olímpico e não olímpico e, a partir disso, o mercado se fortalece”, afirma a pesquisadora, que cita o aumento da comercialização de jogadores, com valores bem mais altos, o surgimento do papel do empresário e a melhora das condições de trabalho.
A pesquisa mostra que a partir daí também ocorre a “profissionalização” das categorias de base, ou seja, os atletas dessas últimas gerações olímpicas já se vêem mais como profissionais. “Isso acontece porque, na década de 1990 e 2000, os times de categorias de base já começam a ter uma estrutura profissional e a tratá-los de uma forma profissional, ou seja, eles já ganham salário, já têm benefícios e um contrato oficial”, explica Luciana.
A pesquisa mostra também que o amadorismo de antigamente se refletia nas próprias convocações de jogadores para as seleções olímpicas. Luciana explica que até a década de 90 os critérios não eram o mérito, mas sim políticos. Hoje, isso mudou um pouco. “São chamados aqueles que vêm apresentando resultados importantes, ou seja, começa a surgir esse olhar profissional, embora ainda mesclado com algumas questões políticas”, afirma.
Essa questão política era tão forte no início que, analisando o fim da carreira desses jogadores, descobriu-se que um deles havia parado justamente por causa de uma briga política dentro do time. Outros saíram por lesão e, até mesmo, por questões financeiras. “Dois deles relataram que, principalmente no começo da década de 60 e 70, não ganhavam o suficiente para se manter na profissão, e tiveram que optar por abandonar a carreira para poder tocar a vida”, explica. Apenas 4, dos 12 estudados, se aposentaram dos campos por vontade própria, já os outros tiveram algum problema que acabaram por atrapalhar a gestão de suas carreiras.
Segundo a pesquisadora, alguns times de futebol no Brasil começaram a apresentar alguns itens para apoiar a gestão de carreira de seus atletas, como, por exemplo, a educação financeira, mas não, ainda, um programa de gestão total. Além disso, em São Paulo há uma lei estadual que obriga os clubes formadores a fornecerem escola aos atletas em formação, mas isso não quer dizer que o profissional siga essa regra. “Nas entrevistas com os atletas, é muito difícil você escutar que ele também estuda. A gente consegue escutar isso apenas depois dele ter deixado a vida profissional, porque aí ele tem mais tempo e vai investir nisso”, explica.
É nesse sentido que Luciana acredita estar a importância da sua tese, poder contribuir para entender o que é ser atleta no Brasil, buscando viabilizar programas de gestão de carreira esportiva, algo que ainda não existe por aqui. “Na Europa, a partir de 2009, começou um programa de desenvolvimento de carreira, que oferece estudo ao atleta, nos últimos anos da carreira”, afirma, explicando que a chamada “carreira dupla” ajuda o atleta a se preparar para o momento de encerrar sua trajetória dentro das quatro linhas. “O Brasil ainda não tem essa visão de entender o atleta ao longo da vida e acredito que a tese pode ajudar a repensar isso, apresentando alguns pontos que viabilizam esse trabalho”.