Pesquisa recente realizada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) mostra que a realidade em assentamento rurais é bem diferente do que a prevista pelos projetos. Os estudos fazem parte da dissertação de mestrado da pesquisadora Marina Caraffa e utilizaram como alvo de observação o assentamento Zumbi dos Palmares, localizado na região de Iaras, em São Paulo.
Os problemas na construção de assentamentos rurais começa com a falta do Plano de Desenvolvimento do Assentamento, etapa preliminar ao projeto, que, por sua vez, geralmente não leva em conta as questões urbanísticas, mas apenas as agrárias e econômicas. Uma das questões que mostra isso com clareza são as grandes distâncias percorridas nos assentamentos. O tamanho da área ocupada, sua forma de parcelamento, a localização de cada casa no lote e a distância do assentamento em relação à cidade são fatores que deveriam ser considerados durante o projeto, mas não é isso que acontece.
Com o mau planejamento, tais distâncias acabam sendo maiores do que deveriam, trazendo dificuldades de locomoção aos assentados. Sobre isso, Marina explica que as famílias, que na maioria das vezes não possuem carro, acabam percorrendo grandes distâncias a pé, já que o transporte público nessas regiões é outro grave problema. “No momento de fazer o projeto a escala do pedestre não é considerada, apelas levam em conta a questão da produção.”, diz a pesquisadora.
Além dos problemas com as distâncias, muitos outros equívocos podem ser encontrados nesses planejamentos. Um deles é fazer o projeto sem considerar as características físicas do terreno. Isso pode gerar situações de vulnerabilidade ambiental. Durante os estudos de campo, a própria pesquisadora passou por um momento difícil relacionado a isso : “nos dois dias [em que estive lá] choveu na parte da manhã, eu praticamente não consegui acessar a maioria dos lotes. As estradas ficam encharcadas e o solo fica argiloso, criando situações de atoleiros e alagadiços. Essa situação muitas vezes não ocorre só em função do tipo de solo, mas também porque o traçado não está favorável ao terreno. Em dias como esses os assentados ficam isolados. Na ocasião verificamos que o ônibus do transporte de escolares, devido às condições das estradas, estava quebrado.”.
Imagem de ônibus quebrado. Fonte: acervo da pesquisadora.
Outra complicação se dá na própria estrutura da unidade habitacional. Muitas vezes a área da casa e o tamanho dos cômodos não são suficientes para atender o modo de vida. “A cozinha com previsão de fogão não considera as dificuldades de acesso à botijão de gás para abastecimento.”, exemplifica a pesquisadora.
Outra questão problemática está relacionada ao meio ambiente. Não há, no processo de criação do assentamento Zumbi dos Palmares, um levantamento que indique as massas de vegetação existente ou a topografia do terreno. A pesquisa observou, por imagens via satélite, que ao longo do tempo as áreas de reserva ambiental deram lugar a novos lotes prejudicando, assim, o meio ambiente.Ainda que haja leis sobre a questão ambiental, estas não são respeitadas devido ao caráter emergencial dos projetos.
Do projeto à construção
A construção das casas nos assentamentos também apresenta dificuldades. Isso acontece porque o que está previsto no programa de provisão é muito diferente da realidade que pode ser colocada em prática.
Em primeiro lugar, o planejamento é feito para que as habitações sejam construídas a partir de mutirões. Mas o que se vê na aplicação, em alguns assentamentos paulistas, principalmente no Zumbi dos Palmares, são construções feitas de maneira quase que individuais. Essa situação é decorrente da falta de articulação entre as famílias, dificultada pela extensão das fazendas, entre outros problemas. A divisão das famílias para o mutirão de construção das casas é feita por ordem da chegada dos documentos, não levando em consideração a proximidade ou relação social entre os núcleos familiares, dificultando a união dos assentados para a formação de mutirões.
Outra problemática na construção das habitações é o atraso na entrega de materiais. Esse atraso decorre, mais uma vez, da falta de estrutura dos assentamentos, que apresentam grandes distâncias a serem percorridas por quem deseja acessá-los.
É importante ressaltar que as metas não cumpridas nas obras estão diretamente associadas às dificuldades de articulação social, somada a certa falta de interesse político e à burocracia dos processos. Quanto mais se demora no papel, mas a prática é prejudicada.
Como resolver a situação
Existem, porém, recomendações a serem seguidas para que tanto os projetos de assentamentos sejam mais bem pensados, refletindo melhorias para os moradores, quanto tais projetos sejam possíveis de serem praticados regularmente. Marina sugere o aumento da capacidade operacional do Incra, órgão que regulariza tais assentamentos para que os Planos de Desenvolvimento possam ser elaborados em conjunto com as famílias, resultando num desenho de ocupação mais favorável ao estabelecimento das mesmas. Outra sugestão seriam assistências técnicas multidisciplinares capazes de gerar processos mais participativos no desenho de habitat que se forma com a implantação do assentamento.
Em segundo lugar, a pesquisadora propõe mudanças que dizem respeito ao ambiente do local. “Faria recomendações, por exemplo, do uso de infraestrutura verde e agroecologia para organização do parcelamento, gerando um ambiente construído favorável à suas condições ambientais, favorecendo as dinâmicas do cotidiano das famílias assentadas.”.
É importante lembrar que a preservação do meio ambiente local pode ajudar no cotidiano das famílias assentadas. Um exemplo é o manejo dos eucaliptos - abundantes na região do Zumbi dos Palmares - nas estradas que circundam o assentamento gerando, assim, um sombreamento para os moradores que percorrem grandes distâncias a pé. Mesmo que determinada vegetação existente não seja favorável à produção agrícola - como é o caso do eucalipto - ela pode ser utilizada para outras funções, sem que isso acarrete o desmatamento.